O prospecto de levantar às 5 para fazer mais um percurso de 2h30, verdade seja dita, não era dos melhores.
Acordei brigando com o despertador e sentindo um pouco as pernas – provavelmente mais pelo que estava por vir do que pelo que passou.
Ainda assim, não se completa ultras trocando as ruas pela cama. Saí.
Ainda noite, o ar de Sampa estava frio, meio cortante e com aquele tipo de eletricidade esquisita no ar indicando que o dia seria inesperado. De alguma forma.
A corrida em si não foi. Ela cansou mais a cada volta pelo Ibira, ao ponto de eu chegar a me questionar sobre cortar 30 ou 40 minutos. Não cedi: em momentos assim, aprendi que o melhor a fazer é me fechar em mim mesmo e buscar pensamentos mais intensos na cabeça, focando-me neles ao invés de nos quilômetros por vir.
Funcionou até o final, inclusive na subida da Ministro.
Quando cheguei de volta na portaria do prédio, estava exausto: as dores pelo corpo pareciam subir lenta e decididamente, em forma de minúsculas pulsações elétricas, pelas pernas.
Como farei as 5 horas do sábado? Esse foi o meu último pensamento antes de entrar em casa.
Aí aconteceu o inesperado: o silêncio.
Passava um pouco das 8 e minha mulher havia levado minha filha na escola. A partir daí, ela seguiria para o dia dela, tão intenso quanto o de qualquer um que vive aqui na urbe.
A minha primeira reunião, no entanto, seria apenas às 10.
A casa estava vazia e em um silêncio absolutamente estranho para qualquer um (que tem filho). E por pelo menos uma hora e meia ela ficaria assim.
Hora, então, de respirar fundo e desacelerar.
Fiz café, sanduiche, omelete com curry e tanto tempero que faria a Companhia das Índias pasmar de inveja. Acendi um incenso mais exótico chamado Frankencense e deixei a casa ser tomada pelo cheiro.
Nada de TV com notícias: busquei um playlist chamado “Your Favorite Coffeehouse” no Spotify e deixei ele tocar lentamente, levemente. A cada gole de café. A cada inspirada incensada.
Sentei. Respirei.
Não dá para dizer que uma mágica súbita aconteceu e levou embora todas as dores musculares. Elas ainda estão aqui, muito embora bem mais relaxadas. Até o final de amanhã devem passar.
Neste instante, escrevo este post ainda imerso em um clima absolutamente zen e imune a qualquer tipo de estresse, barulho, ou interrupções – incluindo as que mais amo na vida, diga-se de passagem. É que um pouco de pausa, às vezes, faz bem.
Quando acordei hoje, brigando com a planilha e o tênis que me olhava torto, imaginei que teria um dia cheio de tumulto, cansaço, demandas alheias e próprias. E provavelmente ainda terei, dado que a minha primeira reunião começa apenas em alguns minutos.
Mas só essa hora e meia de calmaria entoada por temperos, café quente e aromas exóticos já foi absolutamente – e inesperadamente – perfeita. Essa hora e meia, por si só, já valeu o dia.