Dia 1: O dia que faz tudo valer a pena

Às vezes, quando viramos uma esquina no meio de uma trilha ou erguemos a cabeça, nos deparamos com paisagens que dificilmente sairão da retina. São essas vezes, infelizmente menos comuns do que se costuma sonhar, que fazem corridas em locais pouco cotidianos valerem a pena.

Ontem foi um desses dias.

Acordei sozinho, sem despertador, por volta das 5:30 da manhã – e já saí do quarto bêbado com o cenário. Uma praia que beirava o infinito se estendia em minha frente, pontilhada apenas por jangadas cearenses espalhadas pelo areal e, lá no fundo, atrás de falésias vermelhas, um conjunto de torres eólicas.

Corri pela praia, que ostentava uma maré baixíssima que fazia o chão parecer um espelho ocre ilustrando o céu inatacavelmente azul. Fui por uns 6, 7km até chegar no Rio Jaguaribe e segui margeando-o. O cenário cedeu, ficando mais parecido com um mangue, e barcos ainda adormecidos pareciam ansiosos para carregar turistas para a outra margem, onde ficava Canoa Quebrada.

Ainda assim, segui até onde consegui: parei apenas quando um cachorro furioso decidiu avançar sobre mim, me fazendo entrar com tudo no rio, o que certamente gerou uma carga de adrenalina eletrizante. Continuei um pouco dentro do rio até sair do seu alcance e voltei para a areia. Estava na hora de mudar de rota.

Entrei à esquerda por uma ladeira invadindo um pequeno povoado, daqueles que mistura pobreza com o ar bucólico que apenas o nordeste guarda. Passei por uma igrejinha típica, de uma vila típica, com pessoas típicas varrendo o chão. Tudo era tão típico que parecia até cenário de novela. Não era.

Fui mais algum trecho por ela até decidir tomar uma trilha de areia fofa que parecia margear o oceano. Sob o calor já escaldante, aquele momento pertencia ao suor e ao ácido láctico que cismava em reclamar.

Pelo menos até que os arbustos subitamente ficaram menores e o horizonte inteiro se abriu.

Se abriu não: se impôs em forma de susto visual, roubando cada gota de concentração para si. Estava rodeado por campos secos, dunas, mar e céu azul, todos pontilhados apenas por um farol distante e grandes pedras vermelhas como o fogo. A paisagem era tão incrível que foi difícil até mesmo entendê-la: entre passos, ficava olhando atentamente a tudo e tentando gravar na memória cada átomo de pura beleza.

Tirei fotos, parei, respirei fundo. Corri de um lado para outro, tentando alcançar vistas mais belas como se fosse possível. E pior: era. A cada morro, uma nova cena se abria, intensa, forte.

Fiquei até aqueles segundos antes do cansaço.

A volta, já pela praia, poderia ter sido pelo asfalto de alguma periferia qualquer: estava com tudo aquilo tão gravado na memória que nada mais, nem o calor ou o sol, nem o mar, nem o cansaço e nem mesmo a perspectiva de repetir o percurso inteiro faria qualquer diferença. Minha retina estava irremediavelmente manchada pela beleza.

Foi uma das corridas mais incríveis da minha vida.


  
  
  

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