Vídeo para matar saudades das trilhas do Cruce

Mesmo com parcos anos correndo em trilhas, posso dizer que poucos são os percursos tao deliciosos quanto os do Cruce. Claro: todo ano os percursos mudam – mas a região é sempre a mesma. 

E isso inclui trilhas lisas e absolutamente corríveis, montanhas belíssimas emoldurando lagos sensacionais ao fundo em três dias de pura endorfina. Quem não foi ainda, recomendo seriamente. 

Para quem foi, eis um vídeo que achei agora na Web com um programa gravado na edição deste ano para a TV espanhola:

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El Cruce: Dia 3

Escrito já do conforto do hotel em San Martin de Los Andes, depois de um bom banho, na tarde de 14/02/2016

Difícil saber por onde começar a descrever este que, com absoluta certeza, foi o dia mais incrível de toda essa jornada pelos Andes. 

Primeiro, houve o frio. Acordar às 5:30 da manhã tremendo dentro da barraca certamente não foi uma sensação agradável, algo compartilhado por todos. O frio e o vento, aliás, foram tão intensos que o horário de largada chegou a ser adiado por alguns minutos. Poucos, ainda bem. 

Quando largamos, devidamente paramentados, já encaramos 5km de uma subida muito, muito intensa. Não que ela fosse técnica: o grau de dificuldade das trilhas por essas bandas é muito mais leve do que as do Brasil. Mas foi longa, nos fazendo cortar florestas e testemunhar, quase que a cada passo, mudanças na vegetação. 

Em 5 quilômetros, no entanto, estávamos já de frente para a primeira meta: o cume do Milito, ponto mais alto de todo o Cruce com quase 2 mil metros. Lá cima estava frio, com uma ventania típica da montanha e uma vista panorâmica absolutamente inesquecível. Cansaço? Sim, claro – mas ele ficou esquecido, relegado a algum canto escuro da mente enquanto os olhos teimavam em acreditar no que estavam testemunhando. Estava ali, depois de 2 dias correndo e acampando pelos Andes, efetivamente de pé sobre um cume belíssimo! 

Pausa para foto – rápida, já que o frio mal deixava os dedos obedecerem – e era hora de descer. Não muito: um segundo cume se aproximava, menor que Milito mas, ainda assim, incrível. Diferente, aliás: todos os cumes que subimos foram diferentes em tudo, dos arredores à própria vegetação. Esse segundo, por exemplo, era praticamente formado de pedregulhos soltos e esparramados por uma vegetação queimada, quase inexistente. Mais vento, mais frio. 

Descemos. 

Cortamos uma floresta densa, sob uma neblina espessa e praticamente rodeados por flores amarelas em um cenário que mais parecia um conto de fadas. As trilhas, suaves, permitiam que se voasse montanha abaixo – ao menos por algum tempo. 

Curva aqui, curva ali e, de repente, outra subida. Cerro Colorado, nome perfeito para uma montanha praticamente toda avermelhada. A ventania lá era a mais intensa de todas mas, ao fundo, um fio de música me fez acreditar estar alucinando. Não estava: no caminho para este último cume do El Cruce, um violinista solitário tocava Bach, deixando a música encher toda aquela paisagem árida, fria e seca com a mais pura poesia. Aquela foi, provavelmente, uma das cenas mais incríveis que presenciei em toda a minha vida. 

Mas era hora de seguir: subi o Colorado adrenalinado pela música e pelo visual andino, enfrentando vento e frio, e comecei a descida. Dali para a frente, aliás, era tudo uma imensa descida. 

Começava relativamente técnica, com muitas pedras soltas derramadas pela montanha e que, aos poucos, se transformaram na areia marrom característica da região. Aí foi acelerar o passo e voar pelas trilhas sinuosas, sentindo o calor crescer a cada metro de descida. Em pouco tempo, estávamos já no Oasis, único posto de apoio do dia que ficava mais ou menos no km 23. Era hora de tirar parte das camadas de roupa que vestia, tomar uma Coca, guardar os poles e seguir. 

Exceto por uma ou outra subidinha, o caminho estava aberto e apontando para baixo, fechando a descida da montanha até San Martin de Los Andes. 

Aos poucos, aliás, a cidade foi aparecendo no canto do lago, que já dominava o lado direito da paisagem. Pequenas casas começaram a surgir, quebrando a sensação de isolamento na qual vivemos por 3 dias; grupos de locais fazendo trekking cruzavam conosco; a música da linha de chegada foi ampliando o volume; e os últimos incentivos de parabéns começaram a ser gritados pelo staff do Cruce. 

Estava ali, entrando em San Martin, com o pórtico de chegada pintado à minha frente. Acelerei. Corri como se minha vida dependesse disso – mas sem deixar nada para trás. Ao contrário: 3 dias nos Andes, sem nenhum contato real com a civilização e vivendo à mercê das vontades da natureza mudam a gente. É diferente de uma prova de um dia, em que se larga e chega sem intervalos prolongados: o El Cruce, como acabei entendendo, não é chamado assim por cruzar os Andes, mas sim por fazer quem quer que o corra mudar de percepção de vida. 

Se tem uma prova que recomendo a todos, é essa. Absolutamente inesquecível. 

   
    
    
    
    
    
    
   
   
 

El Cruce: Dia 2

Escrito nas montanhas argentinas em 13/02/2016

Há largadas em ondas – e há largadas em ondas e marolas. Foi assim que saímos para o dia 2: com ordem de largada de acordo com nossos tempos de chegada e, pra cruzar o pórtico, em grupos de 3 liberados a cada 15 segundos.

Para uma corrida de montanha essencialmente feita de single tracks, difícil pensar em uma maneira melhor de evitar engarrafamentos. E funcionou.

Diferentemente do dia de ontem, o percurso inteiro foi relativamente livre. Destaque para a perfeição das trilhas: longas, sinuosas tanto nos trechos de subida quanto nos de descida, secas e desimpedidas. 

Secas, na verdade, pelo menos a partir do km 10: até lá a corrida incluía atravessar trechos do Lago Lácar com água que chegou até a cintura. Pelo lado bom, isso trouxe um tempero diferente e, claro, um visual fenomenal.

Visual, por sua vez, que melhorava a cada metro de subida depois que as águas ficaram para trás. Havia trechos, já entre montanhas, que planaltos se abriam inteiros, gerando horizontes tipicamente andinos: montanhas por todos os lados e vegetação seca.

A partir do km 20, quando as florestas ficaram para trás, foi uma sucessão interminável de planaltos cortados apenas por rajadas de vento que forçavam os olhos a fecharem por alguns instantes.

Mas foi só vento, ainda bem: a chuva de ontem à noite ficou no passado e nos concedeu um dia com algumas nuvens, mas sol e claridade o suficiente para babarmos no visual andino.

A chegada do dia ficava na metade de uma montanha: a outra metade ficará para amanhã, quando chegaremos ao ponto mais alto do Cruce antes de descermos de volta para San Martin.

Por hora, é só relaxar um pouco, deixar as pernas se recuperarem e esperar por amanhã!

   
    
   

El Cruce: Os camps

Escrito nas montanhas argentinas em 13/02/2016

Difícil falar do segundo dia sem antes falar da primeira noite no camp. 

Frio e chuva dominaram a paisagem. Não que tenha sido aquela chuva torrencial, mas foi uma garoa fina, gelada e permanente que durou até o dia raiar. No camp em si, a infra acabou nos deixando o mais próximos possível do confortável: havia churrasco a qualquer hora, café, uma tenda de relax, uma específica oara se recarregar as baterias dos relógios e barracas até que confortáveis. 

Neste ponto eu dei MUITA sorte: em um acesso de pão-durice no ato da inscrição, não reservei uma barraca só para mim e fui designado pela organização uma outra pessoa com quem dividiria. Isso significaria espaço apertado e dois dias dividindo barraca com alguém que, como eu, estaria por muito tempo sem banho e com suor.

Mas a palavra-chave aqui é “dividiria”. Meu companheiro acabou não vindo e a barraca – ainda bem – ficou só para mim!

E olhem que espaço:

   
    
  
  

El Cruce: Dia 1

Escrito na beira no Lago Lácar, ao lado de Hua Hum, fronteira da argentina com o Chile, em 12/02/2016

Terminada a primeira maratona, era hora de rememorá-la.

Tarefa fácil, já que o percurso era incrivelmente lindo, com trilhas deliciosamente suaves e vistas embasbacantes – tudo ainda somado àquele clima de ultras que se vê desde a largada:

  

Não digo que tenha sido fácil: em qualquer circunstância, uma maratona de montanha é sempre uma maratona de montanha. Essa, que chegou a 44km com mais uns 1.200m de subida, não seria diferente.

Ainda assim, parece que foi. Há, afinal, uma diferença entre esforço e percepção de esforço. Quando se está em terreno “virgem”, com vistas alucinantes, em uma prova icônica cruzando a cordeilheira dos Andes até pisar no Chile, a percepção é menor.

E fica ainda melhor quando temos uma primeira experiência de vida de camping em plena prova, com direito a churrasco de chão na chegada, tenda de relaxamento e um rio cristalino (embora ridiculamente gelado) para tomar “banho” (ou algo próximo disso).

Pontos memoráveis:

Percurso, claro. Não haveria de ser diferente.

As descidas em trilha, principalmente da primeira montanha. Foi tão intensa quanto descer uma ribanceira no ponto morto – e, por isso mesmo, deliciosa. Não me lembro de ter voado tanto em algum trecho antes como nesse.

As filas. Fica como o único ponto baixo: pedir licença para passar nos single tracks que empacavam sem nenhum motivo concreto era o mesmo que solicitar passagem a uma parede. No final, só consegui correr solto mesmo quando pedia licença e seguia antes da resposta.

O camping. Sensacional. Nunca imaginei que fosse algo assim tão perfeitamente organizado.

O rio. Tomar banho em um rio andino que desce das montanhas é revigorante como poucas coisas!

Bom… por enquanto, é só. Apesar deste post ir ao ar apenas no domingo, ele está sendo escrito de dentro da minha barraca ao término do dia 1. Hora, portanto, de deixar os pés para cima e descansar: amanhã tem mais prova – incluindo o começo real das subidas às montanhas “de verdade”!

   

  

  

  

  

  

  

    
    
    
    
 

Vídeo: Dia 2 do Cruce

Faltam minutos para eu largar – mas pelo menos deu para conferir o vídeo do que será meu segundo dia, gravado nos calcanhares dos que começaram a ultra anteontem.

O terceiro, ao que parece – e que também é considerado o mais bonito por ser rodado na alta montanha – ficará como um mistério muito bem vindo para mim.

E vambora que os Andes aguardam!

Em 60 minutos.

Em 60 minutos, deixo a minha sacola com roupas e mantimentos para os campings na organização do Cruce. 

A partir desse momento, ficarei apenas com roupas e equipamentos para largar às 08:20 de amanhã, 12/02.

A partir desse momento, o Cruce efetivamente começará para mim. 

E, como não poderia deixar de ser, a ansiedade parece espessa ao ponto de impedir que eu consiga raciocinar além desses mesmos 60 minutos. 

Pela previsão do tempo, teremos 3 dias mais frios e com chuvas entre os finais de tarde e noite. Durante os percursos, no entanto, o céu claro deve reinar, abrindo caminho para vistas que certamente serão memoráveis. 

Pelo que vi na Internet dos grupos de corredores que já largaram, houve certamente muito mais sorrisos do que sofrimento estampado em seus semblantes. Bom sinal. 

Pelo que estou sentindo nos rostos de todos os corredores que ainda se preparam, incluindo os três novos amigos brasileiros que fiz aqui (Márcio, Francisco e Reginaldo, todos largando junto comigo), o desejo de se teletransportar até o dia de amanhã é generalizado. Ô, tempo que não passa quando queremos que ele voe!

Exceto por estas poucas conclusões ou previsões, não sei de mais nada. Não sei sequer se conseguirei postar alguma coisa de lá das montanhas, embora a lógica diga que não. Se for o caso, atualizo o blog quando voltar, no domingo, recheando-o com fotos e descrições mais próximas da realidade do que do imaginário. 

Enquanto isso, o que fazer? Não há remédio: sentar aqui, com um olho na sacola e outro nos ponteiros aparentemente congelados do relógio. 

Por 60 longos minutos.