Enquanto escrevo do (bem vindo) conforto da minha própria casa já de volta a São Paulo, ainda devem haver corredores caçando suas recompensas pela Serra da Mantiqueira. A BR135+ ainda está em curso, afinal, até os próximos 20 minutos.
Eu, no entanto, já encerrei esta que espero ser apenas a primeira jornada por lá. E digo isso por um motivo simples: nunca, nem em meus mais alucinados sonhos, imaginei uma prova tão majestosa aqui no Brasil. As imagens que registrei por lá foram uma expressão do que há de mais incrível aqui em nosso país: da exuberância quase fosforescente da mata que cobria as montanhas até as montanhas em si, seus riachos, o vibrante azul do céu e os aventureiros buscando emoções.
E que aventureiros. Absolutamente doidos, acrescentaria – o que só serve para ressaltar o tom elogioso. Em que outro evento, afinal, se poderia encontrar um rasta correndo com uma panela de arroz na mão, comendo em movimento para não perder preciosos minutos? Ou um pai e uma filha duplando no percurso mais sádico da prova, de 260km? Ou gringos assumindo o papel de bandeirantes e desbravando os sertões brasileiros? Ou o olhar feroz, comprometido, quase predador, da Cláudia Souto, que devorou o podium dos 217? Ou os outros tantos corredores – incluindo um cadeirante (!!!) – que, cada um a seu modo, apareceram por lá para escrever as histórias mais importantes: as suas próprias?
Incluo nesse rol de herois, obviamente, a Zilma Rodrigues, atleta para quem servi de apoio e pacer e que traçou os 217k em 46h36, encarando dor, mal estar e, obviamente, momentos de êxtase daqueles que só se encontra quando a endorfina domina mente e corpo. O orgulho que tenho dessa corredora é sem paralelos.
Para mim, foi uma corrida diferente. Foi a primeira prova em que o meu papel não era o de cruzar a linha de chegada, mas sim apoiar, acompanhar, ditar ritmo. É curioso esse negócio de dar suporte. Cansa talvez quase tanto quanto correr – mesmo porque, quando não se está na estrada com a atleta, se está organizando nutrição e hidratação, dirigindo, iluminando os caminhos nas noites escuras da mata.
Mas há todo um outro lado – o lado de poder correr sem pressão ou compromisso consigo mesmo. Para mim, foi uma ultra diferente: somando os trechos que fiz, acabei correndo 84km nesses dois dias. 84km onde descobri novas coisas sobre mim mesmo, enfrentei também meus próprios demônios e sorvi cada instante daquela paisagem.
De uma forma diferente, acabei testemunhando uma BR135+ mesclando um olhar de forasteiro a um ganho de experiência de corredor. Como tudo que é diferente, valeu pelo tanto que me ensinou.
De fato, escrevo do conforto da minha casa apenas horas depois de voltar da linha de chegada, em Paraisópolis. Mas a saudade que já bate da BR135+ é forte como uma ordem gritando para mim que, um dia, não escaparei de traçar eu mesmo esses tantos quilômetros grandiosos que desenham a espinha dorsal da belíssima Serra da Mantiqueira.
PS: meus parceiros de suporte, Charlston e Luana, foram fundamentais para garantir essa memorável experiência. Sorte a minha de ter participado de um time desses.
PS2: 48 horas sem dormir fazem um estrago no nosso fuso-horário interno!