Era uma das batalhas que eu mais ansiava por ter. De todas as principais autodescobertas que fazemos com ultras – e digo principais porque, na prática, elas nunca cessam de vir – confrontar o sono era algo inexplorado. Já corri varando a madrugada antes – na Indomit, por exemplo. Mas foram 21 horas de prova e, em uma situação dessas, a própria adrenalina se encarrega de eliminar a vontade de dormir.
Neste caso, na BR, foi diferente. Minha última perna foi de cerca de 32km que se iniciaram às 10 da noite e se encerraram às 6:30 da manhã. E quando digo “se iniciaram”, refiro-me a já partir para a rua com um 38 horas sem dormir e intercalando trabalhos de pacer (portanto, correndo) com os de apoio (como organizar hidratação e nutrição, acompanhar a atleta com o carro etc.).
Quando o sono bateu ele foi severo. As pernas obedeciam a mente, mas esta cismava em travar uma verdadeira guerra contra as pálpebras. Os olhos ardiam como nunca, o pensamento ficava lerdo, os golpes de olhar tardios. Era como se estivesse correndo em um pesadelo em câmera lenta. Muito lenta.
O que eu fiz? O que se há de fazer quando dormir não é uma possibilidade? Continuei dando um passo atrás do outro.
Tentei puxar assuntos diferentes com a Zilma e com os outros membros do time, tentei manter-me aceso, tentei ignorar o inignorável. Nada, absolutamente nada funcionou.
Até que decidi me entregar ao efeito placebo que cafeína teria em mim. Digo placebo por um motivo simples: no dia-a-dia, costumo tomar algo entre 1 a 2 litros de café – incluindo uma caneca antes de dormir. Chega a ser óbvio que os efeitos energético em mim são, para usar de um eufemismo, mínimo.
Mas é incrível o que ocorre quando o desespero nos força a confiar (e desejar) cegamente por um milagre. A mente, fraca pela batalha contra o sono, cedeu. Completamente. Irremediavelmente. Ridiculamente.
Em menos de um minuto – tempo insuficiente mesmo para efeitos reais – o sono havia evaporado pelos ares da Mantiqueira. Eu estava eufórico, adrenalinado, aceso.
Tudo voltou ao normal e foi como se a madrugada tivesse se transformado em uma tarde (mesmo que meio escura para os “padrões normais”).
Lição aprendida: em desespero, entregue-se a medidas desesperadas. Às vezes elas funcionam.