Ontem foi dia de montanha.
Já com o sol iluminando os Andes, peguei uma trilha perto do hotel até o Cerro Belvedere, em uma região que mescla um mirante lá nas alturas e uma cachoeira de 60 metros saindo do meio da montanha.
Nada mal para começar o dia, não?
Fora eu ter me perdido nos primeiros quilômetros e penado um pouco para entender o mapa, já que o GPS não reconhecia nenhuma das trilhas, o caminho foi incrível.
Tudo relativamente simples por um bom pedaço, com uma subida constante mas leve. Até que, de repente, uma placa de madeira pintada a mão alertava: “Territorio Mapuche”.
Os mapuchos são índios da região andina, que viviam logo abaixo da região Inca e dominavam boa parte do sul do continente. E índios modernos, hoje, tem as suas regras: não gostam de ser incomodados, ignoram as leis locais e curtem viver de acordo com suas próprias diretrizes comunitárias.
Como a trilha cortava a comunidade, segui com cautela, caminhando no máximo possível de silêncio.
De repente, latidos. Um, dois, muitos.
A maior parte dos cachorros era de pequeno porte e eu apenas ignorei. Um, no entanto, estava mais sério.
Era grande e estava nitidamente irritado com a minha “invasão”, chegando a menos de um metro de distância enquanto latia e rosnava insistentemente.
Com os poles seguros e preparados para qualquer enfrentamento, segui em silêncio. Sem parar, acelerar ou diminuir o pace, apenas fui.
Ele me acompanhou de perto, latindo, até que deu uma última rosnada e desistiu. Ufa!
Um segundo cachorro grande também se aproximou na sequência, mas logo ficou para trás.
À minha frente, uma cerca semiaberta carregava apenas a instrução de que, a partir dali, apenas pessoas e cavalos poderiam entrar.
Estava no começo “oficial” da subida ao Mirador Belvedere, já livre de mapuchos, cachorros ou qualquer coisa que não fosse o silêncio da montanha.
E assim subi, sozinho, por uma trilha incrivelmente linda e demarcada apenas por uma tinta vermelha em algumas das árvores.
Por quilômetros, só subida e mais subida. A cada curva, uma vista diferente da mata enchia os olhos e atiçava a curiosidade; a cada passo, a sensação de se estar sozinho cortando a montanha fazia o peito vibrar mais forte.
Até que cheguei a uma clareira com uma única e esquisita árvore desnuda.
Fui a uma ponta: aos meus pés, lagos, vilarejos e a cordilheira se estendiam por quilômetros de distância. Estava no Mirador sorvendo uma das mais incríveis vistas que meus olhos já viram.
Fiquei por alguns instantes ali até perceber a placa que indicava a cachoeira.
Segui.
A trilha era menor, mais sinuosa e mesmo levemente perigosa, mesclando descida com subida. Fui andando com a ajuda dos poles, a essa altura meus melhores amigos, até começar a ouvir o barulho das águas.
A cada passo, mais forte. Mais alto. Mais intenso.
E uma outra clareira apareceu.
Fui até uma ponta onde se podia “invadir” um pouco o penhasco. Um paredão gigantesco se estendia do outro lado do abismo, cercado por pinheiros e dando vista a uma fina mas belíssima queda d’água.
Ficava difícil definir qual a melhor vista, mas a altura ali era tamanha e a protuberância onde pisava parecia tão “frágil” que, pela primeira vez na vida, senti vertigem.
Mas aí foi só respirar, dar alguns passos para trás e voltar: primeiro para o Belvedere, depois para a comunidade Mapuche.
Montanha abaixo, fui correndo sempre que dava. A volta pareceu curta, breve – pelo menos até a cerca.
A essa altura já passava das 9 e, em uma das casas, um velho camponês trabalhava em sua casa.
Com os latidos cortando o silêncio ao fundo, pedi ajuda. Expliquei que estava um pouco receoso de cruzar caminhos com o cão novamente e ele me respondeu que dois turistas já foram atacados por ele nos últimos meses.
Por sorte, ele sentiu um pouco de pena, subiu em um cavalo sem sela e me ofereceu uma escolta até a saída do território.
Obviamente que aceitei, agradecido, e fui caminhando ao seu lado. Os cachorros olharam de longe enquanto passamos, aparentemente respeitando a escolta.
No final, ele me deixou em um lugar perfeito para descer correndo de volta até a estrada e, de lá, até o hotel.
Adrenalina, trilhas incríveis e vistas inesquecíveis diretamente dos Andes. Dá para pedir mais?