Um amigo uma vez me disse que a melhor maneira de representar o silêncio no teatro era inserindo pequenos barulhos em cena: cantos de grilos, sopros do vento, passos cortando o vazio. Curiosamente, são os pequenos sons – e não a ausência deles – que definem o silêncio a partir do contraste.
Silêncio.
Quando se está buscando algum tipo de recuperação, quando se quer sair de um estado de estafa física e mental, poucos remédios são mais perfeitos que ele. O problema é que costuma ser algo difícil de se conseguir: quando não há tarefas do dia gritando em alto tom a sua existência, há preocupações do dia seguinte ecoando entre as orelhas.
Nesse constante zunido, qualquer tipo de calma, de paz de espírito, se faz quase impossível.
Quase.
Na segunda-feira saí para uma corrida diferente. Era fim de tarde, ainda claro devido ao horário de verão, e com o tempo carregado da eletricidade que costuma preceder a chuva.
Saí sem telefone, sem música, sem podcast ou audiobook. Fui absolutamente só, ignorando a leve garoa que já começava a cair.
Estados Unidos, Brigadeiro, Ibirapuera. Os carros viraram vultos semi-silenciosos navegando, nervosos, pelas ruas úmidas. Tudo ficou distante, meio apagado – exceto pelo ritmo das passadas amassando poças e folhas e pela pulsação carregando o sangue corpo afora.
Passos ritmados. Pulso. Buzinas distantes. Folhas. Brisas súbitas soprando contra os ouvidos. Pássaros cantando. Suor pingando.
Noite caindo.
Para o mundo, a cena provavelmente carregava toda uma orquestra de sons desconexos, desafinados, fora de foco.
Para mim, era o mais perfeito silêncio.
Pela primeira vez em muito tempo senti a bênção desse silêncio curando os sintomas do overtraining a cada passo. Aos poucos, mas de maneira persistente.
Forte, mas não súbito; constante, mas não irritante.
Em um dado momento, foi como seu eu não estivesse correndo no parque e sim dentro de mim mesmo. De um sonho afônico.
De repente, uma solidão sem tamanho pulou sobre o meu ombro, forçando uma autopiedade que beirou a tortura. Durou alguns minutos e, em uma espécie de efeito catártico, quase me fez chorar. Quase.
Foi o tempo de respirar fundo e, no instante em que o cansaço mental foi exalado juntamente com algumas gotas de suor e chuva, a endorfina entrou pelo pulmão e se espalhou. Livre, inteira, intensa.
O ar que faltava nos dias anteriores veio. O mau humor se foi. O cansaço foi transferido da alma para as pernas que, de repente, sentiram os quilômetros que estavam percorrendo. Tudo foi substituído por uma sensação de pura paz.
A essa altura, estava encharcado de chuva e suor. Estava fisicamente pela metade – mas mentalmente inteiro.
Pela primeira vez em dias, estava bem.
Os problemas não sumiram, as preocupações não evaporaram, o mar de coisas para fazer se manteve intacto.
Mas, de alguma forma, o silêncio me deu de presente a sensação de que tudo dará certo.
Já não era sem tempo.
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