Dois descansos

Não que eu tenha corrida à velocidade da luz – mas estava já me cansando do pace vagaroso que parece tomar conta das pernas quando treinamos para provas muito longas. 

Estava já me habituando a rodar na casa dos 6-quase-7 min/km, algo impensável no passado não tão distante. Não minto: estava até bem encaixado nesse ritmo, contente pelo volume que estava somando enquando rodava embalado por audiolivros e podcasts. 

O problema era chegar em casa e ver as estatísticas no Strava. Estatísticas servem, em muito, para isso: para nos deixarem constrangidos em nome do próprio ego e nos forçarem melhorias. 

Assim, com alguma gana, saí no final do dia de ontem. 

Saí sério, quase sisudo, com o objetivo de engolir uma meia maratona aparentando maldade nos olhos. Foi o que fiz. 

Saí doido a uma média de 5 min/km. Pode não parecer tanto para os mais elitizeiros mas, para mim, a essa altura, é. Folguei um pouco: fui para 5min30. Me mantive apertado, tenso, grunhido. 

Busquei parar no mínimo possível de semáforos. 

Varri o Ibirapuera por fora e por dentro. 

Serpenteei o caminho de pedrinhas. 

Ultrapassei os lerdos que corriam como eu estava correndo. 

Voltei furando o trânsito. 

Parei de súbito em frente ao portão do prédio.

Quando cheguei em casa estava com um outro tipo de cansaço no corpo. Presente, por certo, e fazendo as coxas reclamarem com as ideias – mas naquele tipo de reclamação que inclui um tipo de orgulho, quase de soberba, no tom. 

Ganhei com isso dois dias de descanso – hoje e amanhã. Descanso perfeito, aliás, dadas as quarto horas de rua que devo para o sábado. 

Mas esses dois dias, não me engano, servirão também para sossegar as têmperas e me fazer voltar ao foco de somar os quilômetros mais lentos e constantes, constantes, constantes. 

Teriam sido dois descansos? Por certo. 

Um, feito de pernas em movimento, para a ansiedade de ir mais rápido; e outro, feito de pernas para o ar, para tirar a eletricidade do sangue. 

Ambos foram muito bem vindos. 

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Motivação excessiva versus autocontrole pre-prova

Um dos momentos mais curiosos depois de alguma prova grande é a distância colossal que se interpõe entre a motivação e o corpo. 

Voltei da BR com sede de ruas, trilhas e provas. Já no dia seguinte mandei email ao organizador perguntando sobre a inscrição do próximo ano; na sequência, passei mais de uma hora vasculhando a Web em busca de provas de 100K a 100 milhas; e, na segunda, saí para rodar (exagerados) 16K no centro de São Paulo. 

Por outro lado, embora eu realmente não esteja nem de longe tão cansado quanto imaginaria depois de ter rodado 84K, não dá para negar uma certa fadiga nas pernas. Ponto de atenção: dado que o Cruce é em menos de 3 semanas, é ele que deve entrar em foco. 

Pois bem: a planilha, ao menos no restante desta semana, foi parar no lixo. Estou me coordenando pelo puro “feeling”: se acordo dolorido um dia, cancelo a saída; se a dor esmaece no outro, mas o sono é intenso demais pela manhã – outro sinal de cansaço – tento me programar para uma corrida noturna; e assim por diante. 

Até agora, por exemplo, o único treino que fiz foi na própria segunda, feriado em São Paulo. Claro: ainda há o final de semana onde, somando sábado e domingo, devo rodar algo como 45K. Mas, em linhas gerais, o plano é manter a semana ativa e não exagerada, cair o volume na semana que vem (mas aumentando a intensidade) e, na próxima, voltar a subir de leve como se fosse um “esquenta” para o Cruce. 

Domingo será o dia de fazer um “assessment”, de rodar uma espécie de check-up mental. A meta: estar fisicamente preparado, com fadiga apenas marginal e sem nenhuma daquelas dores-fantasma que costumam aparecer em fases de tapering, motivo pelo qual evito, a todo custo, cair de maneira intensa demais o volume. 
De qualquer forma, o nome do treino agora definitivamente mudou. Agora, ele se chama “autocontrole”.
 

Checkpoint: Ouvindo o corpo

Foram só 3 corridas: terça, sexta e sábado. 

Mas as três, no entanto, foram relativamente longas: a menor teve 14km, talvez um exagero dado que ainda estou naquela fase lenta de recuperação depois do cumprimento de uma meta importante. 

Isso ficou claro ontem, quando olhei os nomes das minhas corridas no Strava: estava apenas piorando o estado geral da musculatura ao insistir em sair para o parque. E, assim, apesar do deliciosamente convidativo sol que brilhou neste domingo, apesar dos planos que tinha de sair em uma trilha urbana pelo centro, deixei roupas de lado e me prendi na cama. 

As pernas agradeceram. Ainda agradecem, verdade seja dita: dá para sentir a musculatura se refazendo, se recompondo, reconstruindo. Dá para sentir uma espécie de alívio no corpo inversamente proporcional ao que sente a cabeça, inconformada em perder um dia tão perfeito assim. 

Um dos dois – corpo ou mente – teria que perder no dia de hoje. Optei pela mente. 

Se tem uma coisa que ficou clara para mim ontem foi que insistir um pouco mais poderia ser uma receita para fazer lesão. 

   
 

Recuperação

Todo ano há aquele período em que o cansaço se acumula e se apresenta de maneira quase intolerável. São dias em que acordar se torna tarefa hercúlea, longões soam como ultras por si só e tudo o que a musculatura mais deseja é uma trégua.

É como se fosse uma depressão do corpo. 

Contra ela, há horas que pedem combate, que exigem que se force as pernas até as trilhas. Há outras, no entanto, que sopram a necessidade de cautela para que o cansaço não gere lesões.

É onde entra o overtraining, aquela palavra que volta e meia aparece na porta de casa.

Essas semanas tem sido exaustivas além do normal. A pressão no trabalho tem moído as forças célula a célula e, de fato, cada soar do despertador tem sido uma tortura.

Hoje, para o bem do próprio treinamento, preciso de um descanso.

Desliguei o despertador.

Virei de lado.

Cancelei o longão da manhã.

Preciso me recuperar um pouco mais antes de seguir em frente.

  

Iniciando o vôo com um bem vindo descanso

Faz bem voltar ao normal. 

Olhei minha planilha ontem à noite: nada de treino hoje, segunda, e nada de sessões seguidas de 20km. Apenas 1 de 15km e duas de 10 com cargas extras de intensidade. 

No sábado, 3h30: estava com saudade de corridas mais longas assim.  

E mais: hoje, as pernas parecem estar adorando este descanso, recuperando-se mais a cada hora. A partir de agora, exceto caso alguma coisa diferente ocorra, será um “vôo único” até a Indomit, com escala apenas na Bertioga-Maresias. Nada mais de improvisos e malabarismos.

Hora de me focar no treino. 

  

Com passos pequenos

Depois da “ressurreição” de ontem, a última coisa que eu queria era perder o “mo-jo” novamente. E, claro, é difícil argumentar contra fatos: as férias demandadas pelo meu corpo depois de ter encarado Comrades e os 50K de Atibaia tinham componentes além do psicológico. 

Mas tudo bem: reclamar também nunca resolveu o problema de ninguém. Pensar resolveu. 

Abri os olhos com esse espírito hoje de manhã cedo, depois de ter deixado roupa, tênis e mochila de hidratação prontos para encarar mais alguns quilômetros de asfalto e trilha aqui por Paraty. 

Mas foi o tempo de acordar: as pernas estavam pesadas, doloridas, e a cama parecia mais atrativa do que o normal. Desisti em 5 minutos. 

Dane-se planilha e programação: melhor dar o tempo que o corpo pede antes que ele resolva atacar a mente de novo. 

  

Sábado sem longão :-(

Receita básica: como domingo tem ultra, sábado é dia de descanso. Descanso, afinal, também é treino. 

Poucos bordões são tão repetidos quanto este no mundo das corridas. 

Só que passar as primeiras horas do sábado desbravando a cidade sobre os pés é um hábito já tão arraigado em mim que dormir até tarde, descansar, trocar o tênis por uma manhã preguiçosa, parece simplesmente errado. 

Esquisito? Totalmente. 

Eu, pelo menos, não conheço ninguém mais que prefira evitar um sábado de manhã como este ilustrado na foto. 

  

Descansar (realmente) também é treino

Não durmo muito. Quando se tem uma filha de 3 anos, uma empresa própria e se escolhe correr ultras como esporte, o sono é a primeira coisa que acaba sacrificada. 

Com o tempo, me acostumei com isso ao ponto de ficar com culpa sempre que durmo algo na casa das 7 horas – uma eternidade. 

E, claro, isso tem lá os seus problemas. A recuperação muscular é um deles: esperar que as pernas não demonstrem qualquer sinal de dor quando o máximo de descanso concedido a elas é ficar um punhado de horas trabalhando sentado é irreal. 

Irreal mas, ainda assim, algo com o qual me acostumei. Veja: não reclamo da minha capacidade de regeneração. 2 ou 3 dias depois de uma ultra estou novo, pronto para tomar as ruas de novo, motivado até o limite por conta de algum próximo desafio. 

É que tudo nesta vida é relativo. 

Estar novo, para mim, é acordar com uma dor nas pernas leve mas constante ao ponto de ter se transformado em paisagem. Algo que não atrapalha em nada – embora obviamente fosse melhor passar pelo menos algum tempinho realmente sem sentir nada. 

Pois bem: no domingo à noite vim para Joinville, onde tive uma reunião na segunda. Cheguei às 18:30, mas a reunião seria apenas às 10:00 do dia seguinte. 

Sabe o que fiz? 

Dormi. Muito. Algo como 9 horas inteiras, uma espécie de anormalidade principalmente considerando que acordei sem despertador, por conta própria e sem precisar correr para nada. Tinha tempo para tomar um banho calmo, mastigar o café da manhã e ainda escrever um post para o blog antes do dia se atribular. 

E foi sentado na recepção do hotel que, subitamente, me dei conta que não sentia nada – absolutamente nada – nas pernas. 

Me concentrei nelas. Contraí a musculatura. Andei de um lado para outro. 

Nada. 

Era como se eu sempre tivesse sido sedentário, tamanho o relaxamento muscular!

Foi aí que caiu a ficha: todas aquelas pessoas que pregam o poder de cura do sono, que bradam que descanso também é treino, estão realmente sendo verdadeiras. Curti a sensação. 

Honestamente, não sei quando terei novamente o tempo para dormir de maneira tão densa, fazendo a noite cuidar das pernas. Mas já está claro que é um remédio muito melhor que qualquer anti-inflamatório. 

  

Os pequenos milagres do corpo

Milagres, na minha opinião, nunca são tão grandiosos quanto costumam ser definidos.

Não acredito que milagres curem doenças graves ou salvem a humanidade de desastres cataclísmicos: dou esse crédito à ciência e à sorte, dois elementos que costumam ser ignorados quando grandes feitos são creditados a um ser maior.

Mas isso não significa que não acredite em milagres. Ao contrário: tenho a mais nítida certeza de que eles existem sim – mas escondidos nas pequenas coisas que costumamos ignorar. Milagre, para mim, é tão somente um nome mais pomposo para eficiência surpreendentemente exagerada em qualquer que seja o processo.

Algo como os efeitos de um dia sem treino para a recuperação muscular.

Ontem amanheci quebrado, sofrendo as dores tardias da Indomit somadas a dois dias de treino que, embora leves, só pioraram o quadro. Tudo – absolutamente tudo – doía. Caminhar, por si só, parecia tortura chinesa.

Não corri ontem. Não por decisão consciente, verdade seja dita, mas porque uma viagem a trabalho me impediu.

Acordei cedo, peguei avião, fiz uma bateria de reuniões, não consegui sequer almoçar e voltei para casa no último vôo. Não dá para dizer que descansei – ao menos não no sentido mais óbvio do termo.

Mas, aparentemente, meu corpo decidiu aproveitar a falta de uma corrida em 24 horas para acelerar a recuperação geral.

Lá dentro, microrupturas devem ter se reparado, tendões descansado, músculos relaxado. Tudo em um punhado de horas. Tudo com a agilidade que nunca conseguirei ter nas trilhas.

E tudo surpreendentemente – e milagrosamente – efetivo.

Hoje, por puro milagre, acordei novo em folha.

Que bom: já é hora de correr.

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Descansar sem dormir

Depois de dias seguidos nas ruas e trilhas, o corpo sente.

Hoje acordei dolorido, com o cansaço arrastando as suas unhas pelas pernas, costas e pálpebras. Por uma infelicidade de agenda arrumei uma reunião extremamente cedo, o que significa que meu “day off” teve apenas 6 horas de sono.

Suficiente para embalar o resto da semana? Difícil afirmar que sim. Mas, quando não há solução, não adianta haver também estresse pela sua falta.

Hoje o corpo precisará se recuperar em horas úteis, em meio a prazos apertados, clientes, propostas e os conflitos internos cotidianos que definem qualquer vida corporativa.

Hoje o corpo não poderá contar com horas de sono concentrando o poder mental inconsciente na recuperação muscular.

Hoje o próprio sono terá que dar um jeito de sair antes que sua falta acumule ainda mais cansaço.

A semana, afinal, será longa e está apenas começando.

Hora de trabalhar.

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