O lado selvagem do Ibirapuera no escuro

Dá para achar novidade, algo diferente, na mais estabelecida das rotinas. 

Em grande parte por conta da Indomit, decidi ontem tirar a poeira da minha headlamp e fazer uma corrida em alguma trilha à noite na segunda. Bom… achar uma trilha para se fazer sem a luz do sol em plena segunda-feira útil não costuma ser algo fácil, simples. Certo? 

Errado. 

Primeiro, porque à noite pode ser simplesmente antes do sol raiar. Segundo, porque qualquer trilha no escuro pode servir a estes propósitos: a sensação de familiaridade, afinal, costuma ser irmã da luz. 

Com o iPhone setado para me acordar às 4:30, dormi carregado de alguma ansiedade. Minhas roupas para a manhã seguinte mais pareciam às de uma prova: buff, headlamp, tênis de trilha (também para tirar a poeira e acostumar os dedos dos pés). Lá pela 1 da manhã, uma tempestade sem tamanho, daquelas que deixa a cidade em estado de alerta por horas a fio, se abateu sobre São Paulo. Tudo era som de chuva, estrondos de trovão, relâmpagos iluminando a noite. Cheguei a me perguntar algumas vezes se sairia assim ou não até que peguei no sono. 

Às 4:25 – antes do despertador – acordei. 

O céu estava silencioso, calmo: não havia mais tempestade. Aproveitei a janela de tempo, me arrumei e, em poucos minutos, estava na rua. 

Os parcos seres que perambulavam antes das 5 nas ruas paulistanas me olhavam como que a uma alucinação, alguém absolutamente fora de contexto e lugar. E realmente estava – pelo menos até cruzar o portão do Ibira e entrar na trilha escura já com a headlamp acesa. 

Tudo, tudo era lama. Havia me esquecido como lanternas falham em passar aos olhos a sensação de profundidade: de certa forma, correr à mercê delas é como cruzar uma tela em 2D. Há algum temor de queda nos instantes iniciais mas, logo depois, é como se o corpo se adaptasse ao novo cenário. 

Aliás, tudo era tão novo, tão diferente que, por vezes, eu até me esquecia onde estava. A chuva, por exemplo, havia pintado um lago no meio do caminho que precisei cruzar; raízes de árvores e folhas formavam pequenas armadilhas que precisavam ser evitadas e uma leve garoa misturada a fumaça da respiração formava um clima meio onírico, afastado da realidade. 

Não fosse o tempo passando e o sol que estaria dominando os céus em pouco tempo eu certamente daria mais uma ou duas voltas. Ou três. 

Mas voltei para casa, não sem antes subir a ladeira da Ministro para somar alguma altimetria mais intensa. 

Hoje é uma segunda-feira como outra qualquer: começo de semana de trabalho, repleta de reuniões e tarefas, com prazos apertados e tudo aquilo que caracteriza a vida de quem habita esta grande urbe. Ainda assim, posso dizer que comecei o dia cruzando uma trilha noturna, atravessando um lago improvável, deslizando por lamaçais esparramados pelo chão e movido pelo som isolado dos pulmões e testemunhando o encontro de névoas que saíam da boca e das núvens. 

Tirei uma foto antes de voltar para casa para me assegurar de que tudo aquilo realmente acontecera. Olhe bem… não é incrível o que podemos extrair mesmo da maior das cidades quando se tenta algo diferente? 

  

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