Independentemente de qualquer gosto musical, há qualquer coisa de muito diferente em se testemunhar o Carnaval em Salvador. Na prática, a sua essência tem muito pouco a ver com Cláudia Leite, Ivete Sangalo ou quem quer que esteja em cima de um trio: tem a ver mesmo com o que se passa abaixo dele.
Explico: o Carnaval baiano só se tornou o que é por conta de uma força popular essencialmente local e que mescla malandragem, energia, sol, mar, suor e muita, muita vontade de ser feliz. A música em si é apenas uma coadjuvante que ganhou proporções muito maiores do que deveria.
Cheguei em Salvador ontem à noite para aproveitar o feriado unindo a família formada por mim à que me gerou, casando as minhas raízes às raízes que estou formando hoje, na outro ponta do país em que vivo.
E a primeira coisa que fiz – claro – foi sair para uma corrida de cerca 1h30 pela orla. Saí do bairro do Caminho das Árvores, onde meu pai vive, e desci até a Pituba, cruzando Amaralina, Rio Vermelho, Ondina e Barra. Fiz boa parte da orla baiana correndo por entre as minhas lembranças e encontrando pérolas como um ritual de Candomblé em plena praia. Não resisti e tirei uma foto:
De lá em diante fui embalado pelos batuques dos Orixás, testemunhando sorrisos de todos os lados, cruzando com trios se preparando para um dia de guerra e sendo abençoado pelo sol e pelo onipresente mar soteropolitano.
A cidade parecia de uma felicidade sem paralelos, mesmo considerando o cansaço estampado nos olhares dos ambulantes que fazem da folia o seu ganha-pão. Em Salvador, a sensação que dá é que trabalhar é apenas algo necessário para se viver – e que deve ser feito com a mesma alegria que se tem ao tomar um chopp com os amigos em algum boteco qualquer.
E o que tudo isso tem a ver com corrida e com o treino? Mais do que se imagina.
Sob o sol da cidade, as dores nas costas evaporaram por completo; o estômago melhorou; o ritmo voltou ao normal e tanto mente quanto corpo pareciam curados no instante em que encerrei a corrida para um mergulho nas águas transparentes da Baía de Todos os Santos.
Não poderia ter esperado nada melhor que isso para finalizar uma semana tão difícil e dolorosa quanto esta.
Republicou isso em Rumo a Comrades 2015.