Checkpoint: Revisando a chegada e resetando os sistemas

Ainda é difícil de acreditar que a Comrades foi há apenas uma semana e que, nesta exata hora, eu estava já comemorando com os amigos lá em Pietermaritzburg, vestindo as duas medalhas com o peito estufado de orgulho. 

É igualmente difícil acreditar que meu ciclo naquele naco da África, região que mais amo em todo o mundo, se encerrou. 

Dizem, no entanto, que se deve encarar finais de ciclos como início de novos tempos. Talvez seja mesmo hora de me concentrar em outras provas da minha lista de desejos – ou mesmo de varrer a mesma África em busca de outras ultras e desafios, seja em Victoria Falls, nas Drakensberg, em Lesotho, no Kilimanjaro ou em qualquer outro local. Uma coisa é certa: meu tempo na África está longe de ter terminado: se não para a Comrades, ainda voltarei lá para correr algum outro solo. 

Enquanto isso, claro, essa semana foi de pura recuperação. Recuperação equilibrada, devo acrescentar: corri um total de pouco mais de 40km, me entregando à vontade de estar nas ruas, fiz novos planos, busquei novas provas, respirei novos ares. Aproveitei esse (muito) bem vindo feriado para repassar esses últimos meses e todo esse treinamento que se foi. 

Curioso: no final das contas, a quantidade de trilhas que fiz no caminho até a Comrades foi tão grande, gerando tantos altos e baixos do ponto de vista de volume de rodagem e pace médio, que facilmente se deduziria que a linha de chegada seria cruzada com muito mais dificuldade. Não foi o caso: possivelmente pela somatória de experiência com variação muscular no treinamento acabou funcionando de maneira perfeita e cheguei em Pietermaritzburg com um tempo melhor e com muita, muita energia ainda sobrando. É só ver abaixo, pelos gráficos:

  
Só isso já diz muito sobre o quanto a variação em terreno pode fazer bem para o corpo. 

Agora é hora de recomeçar. Minha próxima grande meta é apenas em novembro, fechando meus primeiros 100K nas trilhas de Santa Catarina. Até lá ainda há muito chão pela frente. 

Que bom.

Serei eu um Indomit?

Na busca por uma prova de 100K ainda este ano, acabei me deparando com um problemão: a inexistência de uma variedade opções pelas quais eu pudesse “navegar”, fincando a minha meta pós-Comrades. 

Cheguei a encontrar uma, a Morretes-Guaraqueçaba, mas desisti depois de ler que eu precisaria levar carro e time de apoio. Muito complicado, principalmente para quem é minimalista por natureza. 

Vi a Torres del Paine – linda, mas complicada por ser distante demais. 

Comecei a fuçar outras provas pela América Latina: nada. Ao menos nada que me apetecesse. 

Até que dois corredores me indicaram uma opção óbvia, mas que havia passado desapercebida: a Indomit Costa Esmeralda, em novembro! 

Pontos positivos: é perto, lá em Santa Catarina, o visual é incrível e tem os tão perseguidos 100K. 

Mas há os negativos. Quando fiz a Indomit Bombinhas no ano passado, me assustei um pouco com o grau de tecnicidade do percurso. A tempestade que caiu nos dias anteriores fez com que o terreno ficasse quase ridículo de tão escorregadio e, confesso, esse tipo de coisa não me encanta tanto. 

Me disseram que o Costa Esmeralda – apesar de ter o mesmo organizador e de ser na mesma região – não é TÃO técnico assim. Bom… talvez seja hora de descobrir por conta própria. 

Há algum tempo me inscrevi na lista de espera e, finalmente, saiu uma aprovação. Agora é decidir. 

E quer saber? Estou BEM propenso a entrar logo no site e garantir essa vaga!

 

Day off

Hoje o despertador tocou cedo, já apontando para o tênis e as roupas organizadas na noite anterior.

Desliguei.

O começo da manhã trouxe, de surpresa, uma espécie de exaustão acumulada que eu nem sabia que tinha.

Ontem mesmo já fui dormir com fortes dores de cabeça, possivelmente resultado de ter assado sob os 36 graus na Maratona de SP. A cabeça até amanheceu boa – mas o restante do corpo, não.

Entre a Comrades e Indomit Bombinhas, minha primeira prova longa em trilha, foram 2 meses; entre a Indomit e a Douro Ultra Trail, 1 mês; e entre a DUT e a Maratona de SP, outros 30 dias. O cansaço acumulou.

Estou sem dores, sem nada que sequer lembre uma lesão e, a bem da verdade, fisicamente inteiro para qualquer tipo de rodagem.

Mas, ainda assim, apareceu uma espécie de sensação de esmagamento de nervos, de exaustão sólida que me impediu de levantar.

Obedeci o instinto. Sair, hoje, definitivamente não me faria bem.

Quem sabe amanhã?

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Um novo tipo de polimento

Já comentei aqui que a fase de tapering, ou polimento, nunca foi muito fácil para mim. Pelas tantas receitas espalhadas pela Web, considerando principalmente variações do período em que a fase deve começar, ela é composta basicamente de uma diminuição (mais ou menos abrupta) do volume de treino para que as pernas cheguem mais frescas na linha de largada. 

Em tese, pouca coisa pode fazer mais sentido. Mas seja em maratonas ou ultras, essa tática sempre me trouxe mais problemas do que benefícios. 

Primeiro, as gripes. Simples assim: com uma queda grande no volume, parece que a resistência do corpo despenca junto – e isso sempre me trouxe resfriados bem, bem inconvenientes. 

Depois vêm as dores fantasmas. Quando se treina muito, a musculatura fica em uma espécie de estado constante de tensão, pronta para a próxima “carga” que pode vir a qualquer momento. Quando a quantidade de horas nas ruas diminui, essa tensão vai diminuindo ao ponto de fazer o corpo perceber dores esquisitíssimas que, até então, estavam escondidas. Os efeitos disso podem ser péssimos: no polimento que fiz para a Comrades, por exemplo, uma dor bem chata apareceu no meu tornozelo direito. Ela persistiu até a hora da prova e, inconscientemente, acabei correndo de maneira a forçar mais a perna esquerda (“supercompensando”, digamos assim, o sintoma). Resultado: ao final de 70km, o líquido de uma das articulações do tornozelo esquerdo – o que estava bem – acabou vazando e fazendo uma bolha bem inconveniente. Foram 20km correndo sem conseguir mover direito o pé em um teste de resistência mental e física impressionante (ao menos para os meus parâmetros). 

Finalmente, há a angústia. Sim, porque ficar sem treinar às vésperas de uma ultra pode ter benefícios óbvios – mas nem sempre a mente acredita em obviedades. Às vezes ela simplesmente se desfaz em agonia pura, insistindo na teoria (absurda, diga-se de passagem) de que estamos perdendo o preparo construído ao longo de meses. Há como combatê-la? Sim, claro: mas o custo pode ser alto. 

Com todas essas armadilhas, acabei construindo uma fase de polimento diferente com o Ian, meu treinador. 

1) A semana de pico, espremida entre a Indomit Bombinhas (que não teve polimento algum) e a Douro Ultra Trail, foi na semana passada – portanto, deixando 14 dias para a prova alvo. 

2) Não há como não diminuir o volume – até mesmo porque estou bastante cansado. Mas há como trocar a carga muscular, alternando distância por intensidade. Hoje, por exemplo, fiz 2 horas de treino bem cedo, sendo 1h10 na casa dos 5min/km, 20 minutos abaixo disso e o restante apenas para recuperação. Um baita esforço considerando que no sábado anterior fiz 5h22 de longão e ontem corri por mais 1h20. Os demais dias também serão assim: porrada pura com distância menor. 

3) Logo na véspera da prova farei apenas 15 minutinhos de trote – só para soltar as pernas, de leve, sem muito comprometimento. E aí é partir para as montanhas. 

Se vai funcionar, não sei. Mas vale o teste. 

A meta em si é enganar tanto corpo quanto mente, fazendo ambos acreditarem estar trabalhando com a mesma carga de antes quando, na prática, estão preparando músculos mais ágeis e descansando um pouco os mais resistentes (e, portanto, mais importantes para uma ultra). 

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Checkpoint 10: Entreposto, descanso e preparação

Não dá para dizer que esta foi uma semana intensa: rodei pouco menos de 6 horas, não cheguei sequer a 60km e nem atingi os mil metros de ganho altimétrico acumulado.

Ainda assim, foi uma espécie de desaceleração importante por ter vindo logo depois da semana da Indomit que, sob chuva e quedas, deixou as suas marcas no corpo.

Depois de um dia de descanso, as dores musculares realmente evaporaram como que por milagre. Creio que esse volume de corridas longas e provas complicadas estejam fazendo o corpo aprender a se recuperar em intervalos menores, algo sempre bem vindo.

Por outro lado, o desaparecimento das dores musculares fez aparecer uma dor que deveria estar meio escondida até então, fruto de uma das quedas mais pesadas da Indomit onde acabei dobrando meu joelho esquerdo com a mesma “determinação” que um ginasta olímpico. Na hora, lembro que doeu e que falei para mim mesmo que me lembraria daquele momento no futuro próximo – ou seja, agora. Mas não há de ser nada demais (espero): afinal, estou conseguindo fazer os treinos normalmentee, aos poucos, ela está seguindo o seu rumo em direção ao esquecimento. Torçamos para que não demore a chegar lá.

Fora, isso, estou inteiro e pronto para a próxima, encarando este momento entre provas, este entreposto, como ele deve ser.

Semana que vem será o pico do treino para a Douro Ultra Trail e contará com 3 treinos intensos: dois longões de 2h30 cada (terça e quinta) e outro de 5 horas no sábado, onde provavelmente irei na USP. 10 horas em três dias, portanto, incluindo aí um ou outro tiro no meio do primeiro longão.

Feito isso, é administrar a aterrissagem até a largada da DUT, na serra portuguesa. Que bom: a ansiedade por atingir essa meta já está começando a se construir de forma determinante!

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Lição aprendida com o Indomit: tipo de terreno importa tanto quanto distância e altimetria

Quando se faz qualquer tipo de transição, costuma-se levar em conta apenas as variáveis já conhecidas. No meu caso, a mudança do asfalto para a trilha incluiu treinos e análises sobre os dois principais parâmetros que considerava em provas: distância e altimetria.

Assim, todo percurso de prova era encarado de maneira bidimensional: contavam quanto eu correria e quanto subiria. Só.

Mesmo quando ouvia que percursos eram excessivamente técnicos o que considerava apenas eram graus mais severos de inclinação – como se isso bastasse.

Aí veio a Indomit Bombinhas e uma lição que todo corredor em transição deve ter.

A altimetria da prova não é tão severa: cerca de 1.200 metros ao longo de 42K – menos do que faço em um longão cotidiano de sábado. As subidas e descidas, em circunstâncias normais, não seriam tão tensas e até permitiriam uma visão que tendesse a esse bidimensionalismo do asfalto.

Mas, em trilhas, há sempre o elemento inesperado. No caso de Bombinhas, a chuva.

Com chuva, a terra vira lama, as descidas viram escorregadores, as subidas viram um desafio mais mental do que físico.

Com chuva, os olhos se focam no chão (e não na paisagem), fazendo o tempo se esticar para além do marcado no relógio.

Com chuva, outros corredores diminuem o pace em trilhas de uma via só, forçando uma queda talvez mais desestimulante do que o efetivamente necessário.

Com chuva, tudo muda.

E aí veio a lição, mesmo que com alguns dias de atraso: o tipo de terreno (aliado, às vezes, a imprevistos meteorológicos) é uma variável tão importante quanto distância e altimetria. A chuva é apenas um exemplo: neve, areia de praia, dunas, trechos que incluam pequenos riachos, enfim: sempre há algo que deva ser levado em consideração.

As quase 6 horas e meia que passei no Indomit – que, diga-se de passagem, foi uma prova sensacional – me deram essa dura (e muito bem vinda) lição.

Agora é digeri-la e usá-la mentalmente em outras provas.

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Clima animador para a Indomit?

Já fiz algumas provas sob chuva pesada (como a Maratona do Rio de 2012) e sob ventos de mais de 50km/h (Ultra de Two Oceans, 2013). Mas todas elas foram sempre no asfalto, o que ajuda a ter um tipo de controle maior do ritmo e das circunstâncias como um todo.

Em trilha, claro, isso muda. Para começo de conversa, há lama. Muita lama, dependendo da água que vier de cima.

Há trechos escorregadios, poças que podem ficar do tamanho de pequenas piscinas e assim por diante. Na minha cabeça, aliás, passar por uma prova de trilha com condições pouco convidativas é uma experiência que todos deveriam ter.

Mas poxa…. não precisava ser exatamente na minha estreia em corridas de trilha mais longas!

Ontem à noite olhei a previsão para Bombinhas no sábado, data da Indomit: 90% de chance de chuva!

Parece que os 42km serão (literalmente) regados de mais emoção e com mais dificuldades! Não vou dizer que fiquei entusiasmado com isso não… mas, também, não dá para negar que essa falta maior de controle sobre fatores externos faz parte da graça de se correr em trilhas.

Tendo dito isso, que venham o sábado e a Indomit! E que cheguem com toda a ira que uma trilha insana tiver para mostrar!

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Ainda sobre altimetria: cotidiano vs. Indomit K42 vs. Douro Ultra Trail

Agora que já consegui desenhar o perfil altimétrico dos meus treinos cotidianos, está na hora de comparar com as próximas provas.

Bom… diferentemente de muitas corridas de rua (onde altimetria é muito pouco relevante, aliás), os perfis são pouco detalhados e não dão muita margem a cálculos exatos. Mas enfim… vamos ao que temos:

No mês de agosto, a prova-alvo será a Indomit K42, em Bombinhas. O site disponibiliza o mapa abaixo:

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O ponto mais alto não é exatamente alto – tem pouco menos de 300m. Há muitos planos e, muitas estradas de terra e, apesar de trechos em pedras e na praia, o percurso parece relativamente fácil. Claro: considerando que continua sendo uma maratona e, portanto, que já carrega as dificuldades naturais da distância.

O trecho mais “tenso” é no começo, com uma inclinação severa de 15%. É mais íngreme do que o mais íngreme que já subi (trilha do Pico do Jaraguá) – mas dura menos de metade da distância. No mais é curtir o cenário, que deve ser deslumbrante.

Em setembro vem a prova alvo, a DUT. Aqui as coisas complicam mais um pouco:

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Não há marcação trecho a trecho no site, que apresenta apenas uma visão genérica do perfil. No entanto, a imagem acima é de um post que eles fizeram recentemente no Facebook e pega um trecho de 18km. Traçar o grau de inclinação desse trecho não é algo tão “correto” assim, pois ele inclui partes planas e algumas descidas. Mas, se considerássemos uma “linha reta” entre a parte mais baixa (no Douro) e a mais alta (na Serra do Marão), o ganho altimétrico é de 10,8%. É quase a mesma coisa que a parte mais íngreme da Ministro – só que por 18km inteiros. Esse sim é de se preocupar.

Em todos os casos, no entanto, os cenários e os próprios desafios devem compensar de longe. Aliás, todos esses cálculos são prova pura disso: é a ansiedade querendo prever o esforço que, na prática, não faço a menor ideia de como medir mesmo :-)