Emendando noite com dia

Ontem acordei empolgado. Estava inteiro, intacto e com sede da rua. 

Tinha uma reunião no Shopping JK, nas redondezas da Faria Lima, que terminaria entre 18:30 e 19:00. 

Na programação, tinha uma hora incluindo alguns tiros para acelerar a musculatura. Mas 1 hora era pouco. 

Saí do Shopping tomando o rumo do Ibirapuera em uma sessão improvisada de 1h30 com 3×15′ de tempo run. Voei pela avenida e por duas voltas ao redor de um Ibirapuera frio, escuro e curiosamente deserto. Foi bom: pouca gente equivale a mais espaço. 

Cheguei tarde em casa. Cansado pela intensidade do treino, mas inteiro. 

Por conta da viagem no sábado, teria treino também no dia seguinte – hoje – à noite. Mas não deu. 

Ou melhor: deu demais. Acordei às 6:00 com uma empolgação em alta e tempo de sobra – só precisaria sair para o trabalho às 9. 

Voltei ao parque, mais uma vez para uma sessão de 1h30, embora sem os tempos de ontem. Peguei o sol nascendo no caminho, cortando a Groenlândia, e os primeiros raios na trilha do parque exalando aquele cheiro de manhã incrível. 

Não vou mentir: emendar um treino à noite com outro na manhã seguinte cansa – mas canaço faz parte. E, desde que não desmotive, desestimule ou lesione, faz bem. Cheguei em casa às 8, pronto para começar o dia com a endorfina pulsando forte nas veias. 

E, curiosamente, pensando já no treino de amanhã…

Às vezes nem sabemos o que ou como uma determinada explosão de motivação surge – mas, sempre que isso acontece, é importante agarrá-la como se não houvesse amanhã e exaurir cada gota de energia possível. 

Suar, afinal, faz um bem inacreditável. 

  

Checkpoint: Corpo vencendo o Garmin, 50K de Atibaia se aproximando

Até o começo desta semana, minha maior preocupação era em voltar ao normal. Bom… preocupação talvez seja uma palavra forte demais, dado que eu não estava sequer pensando muito sobre o assunto…

Mas o fato é que algo ainda não estava tão certo com o corpo desde que voltei da Comrades. 

Foi uma questão de dar ouvidos e tempo ao corpo. Passadas as primeiras semanas, o único efeito residual, meio que fruto de um rebote, tem sido um aumento na velocidade. 

Fora um único treino mais complicado na quarta de manhã, quinta, sábado e domingo foram rodados em uma velocidade de cruzeiro absolutamente suave. Por suave, entenda mais rápido e com bem menos esforço que o normal. 

O longão de sábado foi especialmente curioso neste sentido, até porque costumo rodar propositalmente mais devagar quando o volume cresce. E até tentei no começo, mas o corpo começou a estranhar o pace de 6’30″/km de tal maneira que decidi ignorar o relógio e simplesmente obedecer as pernas. 

E assim foram 30km na casa dos 5’50”, um ritmo que eu, pelo menos, considero forte para este tipo de rodagem – especialmente considerando que boa parte dele foi feito na escuridão da madrugada paulistana, com direito a alguns tropeços e atenção redobrada no caminho. 

Mais curiosa ainda foi a reação do corpo: nada de dores, de incômodos, de reclamações. Estava bem. Simples assim. 

Decidi tirar a prova hoje pela manhã, aproveitando o dia incrível para fazer a trilha do Ibirapuera e a mega-íngreme subida da Ministro Rocha Azevedo que, aliás, já se incorporou ao meu cotidiano. Zero de problema. Foram 13km em um ritmo mais rápido que o de sábado, inclusive – e também com zero de esforço. 

Semana que vem tem novidade: a ultra de Atibaia, com 50K mais “roots” para auxiliar na preparação da Indomit Costa Esmeralda em novembro. Ajudar, claro, do ponto de vista mais de preparação mental que qualquer coisa: o percurso, que nem aparece no site do evento, deve ser daqueles pesados, técnicos e com subidas capazes de fazer jorrar o ácido láctico. 

O plano é simples: me acostumar a ambientes mais técnicos. Assim, nada de preocupação com pace, com horário ou coisa alguma. No meu entendimento, a missão estará cumprida apenas se eu cruzar a linha de chegada com a sensação de ter me divertido. 

Esperemos que funcione.

  

Checkpoint: Mente e corpo se desencontrando

É curioso como o corpo tem o seu próprio tempo, por vezes desconectado do que se espera a partir de teorias ou mesmo experiências alheias. 

Voltei bem da África, pronto para ganhar as ruas de volta já na quarta imediatamente após a Comrades. Fiz outro treino na quinta, outro no sábado. 

De repente, depois do longão (que, na verdade, não chegou a ser tão longo assim), a musculatura começou a reclamar. Alto. 

Sem problemas: desisti das ruas na terça – mas segui adiante na quarta, já devidamente motivado. 

Não consegui me segurar: na quinta, ao invés de 1h leve, fiz 1h30 com direito a dois tempo runs de 30 e 20 minutos cada. Mas estava inteiro e segui com alguns amigos para o Pico do Jaraguá, onde fiz duas subidas e descidas somando pouco menos de 900m de ganho altimétrico. Curiosamente, voltei muito, mas muito inteiro. Nada de dores e uma sobra de energia impressionante. 

Até hoje, pelo menos. 

Acordei com os músculos meio colados, tensos e fui para 13k na trilha em torno do Ibira – não aproveitar o céu azul em um domingo cedo me parecia criminoso. 

Resultado: agora à noite, enquanto escrevo este post, o corpo todo parece reclamar. 

O momento que estou agora é esquisito: hiper motivado e com uma ansiedade monumental de passar horas em qualquer que seja a trilha, mas com uma fadiga poderosíssima. Uma espécie de descolamento de mente e corpo, creio. 

Hora de dar tempo ao tempo. 

Amanhã é dia de descanso: vamos ver se o corpo alcança a mente para uma sessão com 15 minutos de tempo run na terça. Se não alcançar, rearrumo a programação – mas nada de forçar. Se conseguir, pelo menos. 

No final do mês, afinal, tenho 50K em Atibaia para os quais quero estar absolutamente em forma! 

  

Ainda não

Deixei a roupa pronta no banheiro: shorts, camisa e um FiveFingers que sempre uso quando quero trabalhar velocidade. Estava devidamente motivado, pronto para começar um novo ciclo tendo como meta a Indomit Costa Esmeralda e seus 100km de trilhas casca grossa cortando o litoral catarinense. 

Dormi preparado; acordei exausto. 

As pernas pesavam toneladas e a mera intenção de me levantar fazia tudo doer, como se ainda estivesse sob o efeito de um tanque esgotado de endorfinas. Devo confessar que essa experiência de exaustão uma semana depois de uma ultra tem sido algo novo para mim – e algo que, embora curioso, não está me agradando tanto. 

Mas, agradando ou não, ouvir o corpo continua sendo uma disciplina fundamental. 

Cedi. Deixei as roupas no banheiro, o Garmin desligado e as pálpebras pregadas em busca de algum novo sonho.

Hoje ainda não foi o dia. Quem sabe amanhã?

  

Cansaço atrasado do corpo

O corpo funciona de maneira curiosa.

Estava, não minto, meio orgulhoso e espantado com a velocidade da minha recuperação pós-Comrades. Mesmo com 12 horas de viagem na terça, acordei cedo na quarta para fazer 11K praticamente perfeitos.

Na quinta, mais 13K. Não sentia nem lembrança de dor – era como se eu estivesse no meio de um novo ciclo de treinamento, inclusive buscando paces agressivos.

No sábado, pouco menos de 20K para espichar o dia azul, voando baixo pelas ruas paulistanas até o Villa-Lobos.

Só que aí veio o domingo. Acordei com as pernas pesadas, mas tão pesadas, que elas pareciam de outra pessoa. Correr era uma impossibilidade: coxas, panturrilhas, tornozelos, plantas dos pés: tudo doía como se tivesse acabado de correr uma ultra.

Até caminhar parecia mais difícil, mais lento. Era como se eu estivesse vivendo debaixo da água, sentindo uma gravidade mais forte dificultando cada impulso de movimento. 

Caiu a ficha: era o corpo me lembrando que eu havia corrido 90K há apenas uma semana – e que ele precisava descansar. Mensagem anotada.

Trote do domingo cancelado. 

Hoje já acordei melhor – mas nada de forçar. Descanso também.

Desta vez, a dor acumulada pós-ultra levou uma semana para chegar – algo que nem sabia ser possível. O importante, me parece, continua sendo o mesmo: saber escutá-la.

Vamos ver como estará o corpo amanhã.

  

Checkpoint: No caminho certo

Eu tinha uma meta bem prática essa semana: me sentir “zerado”, com pernas frescas e motivação alta.

A motivação está transbordando – mas não sei se as pernas estão assim tão frescas quanto eu gostaria. Às vezes, no entanto, bate aquela sensação de que, embora nem tudo tenha saído como planejado, o caminho está corretíssimo.

Primeiro, porque consegui me definir quanto a todo o preparo para a largada lá em Minas, na semana que vem: equipamento, nutrição e força de vontade estão perfeitamente equacionados.

E, segundo, porque ignorei um pouco a planilha esta semana e bati os 70km rodados – algo que pode até parecer pouco quando comparado a tempos de outros corredores de ultra ou mesmo aos meus marcos no ano passado mas que, dado o “vale escuro” de onde estou saindo, é perfeito.

Aliás, considerando que tem 90km para rodar daqui a 6 dias, esse volume até que está bem razoável, principalmente quando se leva em conta também que o pace médio está ali, sólido, suavemente mais lento do que os meus ritmos mais intensos mas bem mais confortável e consistente.

Screen Shot 2015-03-29 at 10.31.00 AM

Screen Shot 2015-03-29 at 10.30.38 AM

Uma fadiga ainda persiste nas pernas, principalmente em subidas, mas acredito que isso desapareça com a variação do treino da semana que vem (essencialmente composto de muito descanso e alguns tiros curtos) e, talvez, um Flanax para forçar um alívio maior.

A essa altura, há pouco que pode ser feito para melhorar qualquer que seja a condição – o que não é exatamente um problema. Como disse, o caminho em si está certo e agora é confiar e correr.

Ultra longão para testar os sistemas

Hoje já acordei com o “mode ultra” ligado: por volta das 7:00, sairia para o longão mais importante do ciclo de treino antes da largada em Santa Bárbara.

No total, o percurso incluía 8km de casa até a USP por um caminho mais longo, 4 voltas na USP e o retorno até minha casa por uma rota de, aproximadamente, 5km. Somando tudo, chegaria a 45km.

E, de fato, cheguei – mas a avaliação deste longo foi bem pior do que eu imaginava.

Já na saída, o corpo ainda cansado do esforço acumulado das últimas semanas avisou que nada seria tão simples. Segui com o plano: 30 minutos de corrida a um pace conservador para 1 minuto de caminhada, economizando energias e simulando uma estratégia semelhante à que devo usar em Comrades.

Lá pelo km 30, no entanto, o cansaço bateu forte. Cedo demais, o que já me deixou tenso.

As pausas para caminhada se tornaram mais frequentes, as subidas da Rua do Matão mais lentas e os paces, de forma geral, ainda mais conservadores. Somando as dores ao tédio de um percurso feito de 4 voltas idênticas sob um calor que já batia os 31 graus, o sofrimento da musculatura como um todo foi grande.

Ainda assim, claro, cumpri o plano: fechei as voltas e tomei o rumo de casa, parando apenas para tomar uma Coca e recarregar a dose de açúcar.

Curiosamente, o tempo fechou e uma tempestade começou a desabar sobre a cidade, aliviando a temperatura. Ponto importante: aqui, o percurso parecia magicamente outro: mais frio, chuvoso e sem repetir trechos uma vez que estava a uma reta de casa. Resultado? Aquele lugar escuro em que estava, difícil, dolorido e tenso, par dizer o mínimo, lentamente foi desaparecendo. Foi como se tivesse atravessado o “muro” e, na altura do km 40, me transformado em outra pessoa.

Fechei os 5K restantes em um estado muito melhor, quase sem pausa para caminhada, chegando em um estado muito melhor do que estava a apenas poucos quilômetros antes.

Ainda assim, o tempo foi alarmantemente ruim, mesmo para um treino programado para ser conservador: 5h30, aproximadamente.

Mas longos de teste servem para isso: fazer um assessment geral e detectar pontos de ajuste no treino antes da largada. E é nisso que devo me dedicar agora, nos próximos dias.

IMG_6504

Velocidade na recuperação da velocidade

Ontem à noite saí para 1h15 de corrida no Ibirapuera. A ideia era continuar perseguindo a velocidade que me deixou desde que voltei da Patagônia, meta na qual devo persistir pelo menos pelos próximos meses.

Não fiz feio.

Ainda estava seco quando estacionei o carro mas, já nos primeiros passos, gotas que me fizeram questionar se chovia granizo começaram a despencar do céu. De início, eram tão grossas que parecia possível ziguezaguear por entre elas, ficando seco enquanto todos buscavam cobertura em algum lugar longe das árvores que ameaçavam voltar a cair como na semana anterior.

Depois, o vento e uma maior força das águas fizeram o parque parecer um imenso chuveiro.

Uma observação: eu não estava aqui na semana passada. Houve um dia em que tantas árvores caíram no Ibirapuera que, pela primeira vez em décadas, ele teve seus portões fechados por uma questão de segurança.

Dias depois, parecia haver uma espécie de trauma coletivo quanto a isso: todos os corredores, vendedores locais e transeuntes estavam com ar de medo, escondidos sob qualquer pedaço de concreto que conseguiam encontrar. Todos olhavam para o céu com a esperança de que mar virasse sertão o mais rapidamente possível. Esperança vã, diga-se de passagem.

Com e memória vazia, sem ter testemunhado o caos, foi fácil para mim ignorar tudo isso. Partindo do princípio de que chuva não mata, apenas molha, continuei cruzando o parque em ritmo firme, rápido, tranquilo. A água refrescava, lavava, até divertia.

Foi uma corrida sensacional e com uma meta mais que bem executada, tendo 14km rodados em 1h15. Missão cumprida.

Parcialmente, pelo menos.

Hoje cedo, antes do sol raiar, estava na rua novamente para outra volta no parque.

Desta vez, o intuito não era manter pace fixo por muito tempo mas sim alterná-lo em 9 tiros de 1 minuto cada, sanduichados entre aquecimentos e desaquecimentos que totalizavam pouco mais de 1h de corrida.

Queria ver o desempenho sobre pernas cansadas por uma sessão feita poucas horas antes.

Mas o dia parecia tão diferente, iniciando com uma lua imensa brilhando sobre um céu sem núvens, cedendo espaço para um amanhecer incrivelmente multicolorido, que dificilmente parecia ter havido um temporal pouco tempo antes. Na verdade, a corrida da noite anterior parecia ter ocorrido há meses.

E, apesar do cansaço das pernas ter discordado disso, a mudança no visual climático enganou bem a mente.

Tudo, afinal, é uma questão de escolher o foco mais eficiente, confortável, no qual se concentrar.

Os 9 tiros não foram os mais rápidos da minha vida – mas saíram bem. Foram executados, milimetricamente precisos, sem nenhum contratempo.

Ao chegar de volta em casa senti o corpo pedir descanso. Tudo bem: além do restante do dia teria ainda amanhã para relaxar as pernas antes do longão de sábado – que também não será nada tão puxado, ficando na casa das 2 horas para evitar sobrecargas desnecessárias.

Quando saí para a minha primeira corrida na terça, a preocupação quanto à perda de ritmo foi relativamente grande. Mal podia eu imaginar que, dois dias e dois treinos depois, já começaria a me sentir inteiro de novo.

O corpo, às vezes, é muito mais rápido do que a mente imagina.

2015/01/img_6443.jpg

Fechando o ano debaixo d’água

Ontem à noite, quando fui conferir a app do Weather Channel por conta do dilúvio que castigava a cidade, confirmei a má notícia: 100% de previsão de chuva por todas as horas do dia e até, pelo menos, o Natal.

Parece que toda a água que fugiu do sudeste nos últimos meses resolveu voltar (e tirar o atraso) nas últimas semanas de dezembro. Tudo bem: nunca tive problema em correr na chuva – embora, confesso, sempre preferi fazer isso nos finais de tarde ou às noites.

Saí preparado para enfrentar poças, banhos dados por carros apressados e jatos d’água lançados das nuvens. E foi exatamente isso que aconteceu: faz tempo, aliás, que não pego um toró tão forte na cidade!

O lado bom é que há um ar maior de preguiça nas ruas cortado pelas passadas rápidas, há aquele cheiro de planta molhada e aquela visão de asfalto refletindo o céu cinza. A cara da cidade muda enquanto ela vai se lavando de 2014 e se preparando para um 2015 mais calmo (espero).

Fiquei com isso na cabeça por todo o tempo, meio que torcendo para que hoje, último dia oficial do ano para mim, acabe logo. Para que só tenha meia dúzia de coisas para fazer em home office, para que possa já entrar no avião, para que possa respirar mais fundo sem pensar tanto em reuniões e apresentações.

Tudo bem que a rua hoje mais parecia um aquário: mas terminar o ano debaixo de chuva, lavando corpo e alma, realmente foi perfeito!

/home/wpcom/public_html/wp-content/blogs.dir/5b7/69502451/files/2014/12/img_6246.jpg

One Story of Overtraining

Ler histórias e experiências de terceiros é algo sempre bem vindo quando se busca algum tipo de recuperação. Dia desses, acabei me topando com um artigo incrível do Geoff Roes – um dos mestres das ultras que teve um caso de proporções míticas de overtraining – sobre o assunto.

Compartilho abaixo para quem quiser ler. Vale a pena: coloca em perspectiva o que o nosso corpo pode fazer quando não o ouvimos direito:

One Story of Overtraining.