Não fazia ideia do que esperar. Era a primeira vez que estava na largada da Bertioga-Maresias e sequer havia calculado o montante do percurso que seria na areia versus em asfalto.
A meu lado, um velho e grande amigo que havia aceitado o convite para ser meio apoio de bike tampouco conhecia algo da prova. Do outro lado, os amigos Cordeiro e Leandro – este último que acabou chegando em terceiro lugar geral – davam uma aula de organização e disciplina.
Tudo bem: não estava ali para buscar podium, então que viesse o que estivesse por vir.
Saímos da casa do Leandro, na Riviera, às 4:40 da manhã, e chegamos na largada, ao lado do Forte de Bertioga, faltando 5 minutos. Tempo o suficiente para um começo correto, embora atribulado. Começamos.
No começo, o areião sem fim da praia de Bertioga assustava. Não pela areia em si, dura e perfeita para correr, mas pela sua extensão. Sem paisagens muito exuberantes – aquele pedaço não é exatamente uma pérola do litoral – e com uma reta a perder de vista, o desafio já começava como sendo mais mental do que físico. Me lembrei do motivo pelo qual curto corridas em montanha. Não é pelas trilhas em si, mas pela quantidade de surpresas que se escondem em cada curva, em cada cume, em cada vale. Nas montanhas, é impossível passar mais de 2 ou 3km sem se surpreender com alguma paisagem diferente. Surpresas empolgam, recarregam a adrenalina e a endorfina.
Não há surpresas em uma praia de quilômetros e mais quilômetros de extensão reta. Ali havia apenas o mar da mesma cor da areia sujado de vez em quando por uma série de canais, casas pontilhando o lado esquerdo, urubus comendo carcaças abandonadas e uma garoa insistente que nos acompanharia até o final da prova.
Bom… se não há surpresas, há espaço para correr. E corri. Ao poucos, no entanto, a paisagem foi cansando e sentia o meu pace diminuir gradativamente, com direito inclusive a uma pausa para caminhada não planejada em um ponto em que cruzei um pequeno rio. Ainda assim, fechei os 42km regados a chuva, conversas jogadas ao vento com o Zé, meu apoio, e alguns novos conhecidos pelo caminho.
Depois, quando começamos a sair dos areiões para desbravar a parte mais bonita do litoral, uma quebra: a monotonia havia operado seus danos no corpo e a coxa esquerda começava a doer. Dai até o final fiquei alternando entre correr e caminhar, parando apenas para comprar alguma Cocas, para visitar alguns banheiros e agradecendo sempre que alguma trilha se colocava no caminho entre uma praia e outra.
Em tese, os 25km finais deveriam ser os mais difíceis. E, a julgar pela altimetria, certamente o foram: mas paisagem faz toda a diferença. As serras cansaram, claro: mas os trechos passando pela Barra do Una, Juquehy, Praia Preta, Barra do Sahy, Baleia, Camburi, Boiçucanga e, claro, Maresias, foram absolutamente sensacionais. Mesmo com tempo fechado e chuva, as vistas dos altos das serras eram inesquecíveis.
Nos postos de controle, o apoio do público era absolutamente estimulante, fazendo com que a endorfina surgisse em ondas poderosíssimas. Nas areias das praias, banhistas olhavam meio incrédulos para os grupos de corredores que vinham da já distante Bertioga e até o calor decidiu aparecer para mudar o visual.
Mas, de todo o percurso, o mais empolgante foi justamente a subida da Serra de Maresias, com 3km de subida íngreme pela Rio-Santos. Não era um trecho de praia mas a soma de chuva, neblina e Mata Atlântica dava uma sensação de desafio intensa, reforçada ainda sempre que se via algum ciclista parado, recuperando o fôlego, à frente.
Alternei caminhada com um trote leve, usando a empolgação para matar o cansaço.
Cansaço.
Não havia antecipado o quão dura essa prova seria. Se a altimetria fosse mais espalhada, se houvesse menos retões infinitos, se as praias do começo fossem mais bonitas, talvez a prova em si fosse diferente. “Se’s”, no entanto, tem pouco lugar em ultras. Enquando chegava no topo da Serra me dava conta de que o desafio era justamente esse: uma prova que, diferentemente da maioria, inverte o desafio: começa testando a mente, depois força o corpo e, ao final, exige sacrifício de ambos.
Nunca havia feito uma prova com essas características – uma experiência bem vinda por ser diferente, inusitada. Experiências assim só somam.
Estava pensando nisso quando, depois de ter descido a Serra em uma alternância de pace por conta de dores no estômago, entrei na praia de Maresias.
Faltavam menos de 15 minutos para que eu fechasse 9 horas de prova e os últimos 2km eram de areia sadicamente fofa.
Olhei para o relógio.
Olhei para a frente.
Respirei. E corri.
Usei cada gota de energia restante para atravessar o areial, ora preferindo o trecho inclinado rente ao mar (com direito a ondas que chegavam aos joelhos), ora subindo pelo trecho mais fofo porém reto. Vi o relógio da linha de chegada bater cada segundo com força sonora.
Pensei nas pausas que fiz. Tivesse meu estômago se comportasse melhor, tivesse parado menos para comprar Coca, tivesse treinado mais para o trecho monótono do começo… Hipóteses se acumulavam, pesavam.
As pernas, no entanto, ignoravam cada uma delas. Dei tudo de mim nos quilômetros finais e cruzei a linha de chegada com o Garmin apontando 8:59:55.
Ultra Bertioga-Maresias terminada.
Ao final, abraços nos companheiros de prova e, claro, um agradecimento todo especial ao Rogério “Zé” Augusto, que seguiu de bike como meu apoio, e aos amigos que me deram abrigo: Leandro, Cordeiro, Daniel e Carol.
Que venha agora uma semana com merecido descanso!