Nos calcanhares da história paulistana

Ainda não entendi como, mas o fato é que, já desde o domingo, não sentia nenhum tipo de cansaço físico no corpo. Tinha episódios de sono súbito – mas essa foi a única consequência de ter intercalado um total de 84km em 46h36m diretas, sem dormir por mais que um punhado de minutos encaixado no banco da frente do carro de apoio na BR135+.

Longe de mim querer questionar o próprio corpo: aproveitei o feriado e, claro, saí para correr. 

Desta vez, no entanto, uni a vontade à curiosidade histórica: tracei uma rota que saiu do MASP, e cruzando a 9 de Julho, chegou no Obelisco de Piques. Explico: ontem, 25 de janeiro, foi aniversário de São Paulo – e esse obelisco é considerado o primeiro monumento inútil de São Paulo. A importância disso? 

Foi a primeira vez que a cidade decidiu construir algo com o único propósito de se embelezar e preservar a sua história. Foi, portanto, a primeira vez que a cidade se enxergou com algum tipo de “vaidade urbana”, de orgulho, até mesmo de sensualidade. E isso em 1814, quase 300 anos depois de ter sido fundada, período em que era apenas uma vila bruta, feita de gente brava em todos os aspectos dessa palavra. 

Em minha opinião, a história da São Paulo moderna começou nesse obelisco – que eu ainda não conhecia. 

Bom… o obelisco era melhor na minha memória do que na realidade. Hoje, é um pequeno monumento pichado, imundo e servindo de latrina pública para todo um mar de mendigos que se estendem pelo local. 

O primeiro marco do orgulho da cidade, infelizmente, se transformou em um símbolo perfeito do descaso para com ela mesma, sua história e sua feição. 

  
Saí de lá. 

Decidi rodar um pouco pelo centro, cortando o Vale do Anhangabaú, passando pelo Mosteiro de São Bento, pela Praça Antônio Prado e outras, cada uma com algum pedaço incrível de história dessa cidade que tanto amo. Algumas, ainda bem, ainda preservadas – como o primeiro “arranha-céu” da cidade, com apenas 7 andares próximos ao atual Edifício Martinelli. 

  
O velho centro começou a ser abandonado quando a elite decidiu literalmente subir a serra em busca de ares melhores. Com o Viaduto do Chá, ela cruxou o vale e se instalou nos Campos Elíseos – um dos lares da Cracolândia de hoje. Alguns palacetes de lá ainda persistem, usando a grandeza para combater os ares de decadência. 

Subi mais. Até o segundo dos bairros nobres pós-centro, Higienópolis. Subi a Nothmann até a Angélica, passando pela majestosa catedral que herdou a função do Pátio do Colégio depois que os jesuítas foram expulsos. Cheguei a entrar na igreja apenas para vê-la de perto, por dentro, para respirar os ares da história. 

E, de lá, terminei no terceiro dos bairros nobres, a Paulista dos barões do café e dos primeiros industriais. Foi onde terminei essa homenagem minha a São Paulo, seguindo uma espécie de “caminho da riqueza” ao longo de seus quase 500 anos de vida. 

E por que escrever tudo isso aqui, em um blog de corrida – e não de história? 

Porque uma das maiores preciosidades de correr, para mim, é poder se desligar do presente e atravessar o tempo, imaginando o passado e projetando o futuro. É um tipo de corrida diferente, claro – mais metafísica do que física, mais espiritual do que muscular, mais intensa do que cotidiana. 

E, de vez em quando, é o tipo mai perfeito de corrida que pode existir. 

Tomara que um dia São Paulo volte a se cuidar melhor e deixe de ficar tão abandonada quanto está hoje. 

Enquanto isso, permanecerei correndo e, claro, sonhando.

   

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