Asics São Paulo City Marathon: perfeita

Já na largada se percebia a diferença. Mesmo com 15 mil pessoas prestes a enfrentar os 21 ou 42km, todas largando do Estádio do Pacaembu, não havia sequer sinal de confusão. 

Ao contrário: eu, que já saí correndo de casa e cheguei meio em cima da hora, consegui entrar confortavelmente na minha baia. 

A largada em ondas – uma demanda antiga de corredores e sempre ignorada por organizadores – foi um óbvio sucesso para evitar tumulto. 

E, assim, saímos para uma corrida que começou com os primeiros raios de sol pelo centro velho da metrópole. Sou suspeito para falar: amo o centro tanto quanto amo São Paulo. Rodar por ele de maneira organizada, com amigos e postos de hidratação, foi um presente.

Presente maior foi ouvir uma banda tocar “Sampa” na esquina da Ipiranga com a São João, uma pequena orquestra entoar Bach em frente ao Municipal e acordes de Van Halen cortarem o frio na Galeria do Rock. Foi uma mistura digna do caldo cultural que é São Paulo.

E, do centro belo, decadente, majestoso e cheio de paradoxos, subimos e descemos a Brigadeiro. 

Fomos para o Ibirapuera, minha segunda casa, pulmão verde da cidade. Cortamos o parque até a Faria Lima, pulmão de negócios do maior centro de negócios da América do Sul.

Por um interminável túnel, atravessamos o rio até o outro lado. De lá, o verde e as cores dos Ipês já dominavam a paisagem inteira enquanto surpresas eram dadas pela organização – de vaselina extra a jujubas, passando pela valiosíssima Pepsi, amiga de todas as horas de quem gosta de longas distâncias.

Ponte cruzada, rumo ao Villa Lobos. Na frente do parque, claro, um quarteto de cordas entoava Bachianas Brasileiras como um presente. Voltamos.

USP, segunda casa de todos os corredores paulistanos. O dia estava já se azulando e esquentando a essa altura, o que apenas abrilhantava ainda mais o dia.

De lá foi uma reta até a chegada no Jockey, que contava com uma arena como São Paulo certamente nunca viu. 

Impressionante.

Acho difícil que alguém que tenha feito a Asics São Paulo City Marathon discorde de mim: esta foi a prova perfeita para a cidade. Percurso incrível, temperatura deliciosa, organização impecável.

Que seja a primeira de muitas.

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Nos calcanhares da história paulistana

Ainda não entendi como, mas o fato é que, já desde o domingo, não sentia nenhum tipo de cansaço físico no corpo. Tinha episódios de sono súbito – mas essa foi a única consequência de ter intercalado um total de 84km em 46h36m diretas, sem dormir por mais que um punhado de minutos encaixado no banco da frente do carro de apoio na BR135+.

Longe de mim querer questionar o próprio corpo: aproveitei o feriado e, claro, saí para correr. 

Desta vez, no entanto, uni a vontade à curiosidade histórica: tracei uma rota que saiu do MASP, e cruzando a 9 de Julho, chegou no Obelisco de Piques. Explico: ontem, 25 de janeiro, foi aniversário de São Paulo – e esse obelisco é considerado o primeiro monumento inútil de São Paulo. A importância disso? 

Foi a primeira vez que a cidade decidiu construir algo com o único propósito de se embelezar e preservar a sua história. Foi, portanto, a primeira vez que a cidade se enxergou com algum tipo de “vaidade urbana”, de orgulho, até mesmo de sensualidade. E isso em 1814, quase 300 anos depois de ter sido fundada, período em que era apenas uma vila bruta, feita de gente brava em todos os aspectos dessa palavra. 

Em minha opinião, a história da São Paulo moderna começou nesse obelisco – que eu ainda não conhecia. 

Bom… o obelisco era melhor na minha memória do que na realidade. Hoje, é um pequeno monumento pichado, imundo e servindo de latrina pública para todo um mar de mendigos que se estendem pelo local. 

O primeiro marco do orgulho da cidade, infelizmente, se transformou em um símbolo perfeito do descaso para com ela mesma, sua história e sua feição. 

  
Saí de lá. 

Decidi rodar um pouco pelo centro, cortando o Vale do Anhangabaú, passando pelo Mosteiro de São Bento, pela Praça Antônio Prado e outras, cada uma com algum pedaço incrível de história dessa cidade que tanto amo. Algumas, ainda bem, ainda preservadas – como o primeiro “arranha-céu” da cidade, com apenas 7 andares próximos ao atual Edifício Martinelli. 

  
O velho centro começou a ser abandonado quando a elite decidiu literalmente subir a serra em busca de ares melhores. Com o Viaduto do Chá, ela cruxou o vale e se instalou nos Campos Elíseos – um dos lares da Cracolândia de hoje. Alguns palacetes de lá ainda persistem, usando a grandeza para combater os ares de decadência. 

Subi mais. Até o segundo dos bairros nobres pós-centro, Higienópolis. Subi a Nothmann até a Angélica, passando pela majestosa catedral que herdou a função do Pátio do Colégio depois que os jesuítas foram expulsos. Cheguei a entrar na igreja apenas para vê-la de perto, por dentro, para respirar os ares da história. 

E, de lá, terminei no terceiro dos bairros nobres, a Paulista dos barões do café e dos primeiros industriais. Foi onde terminei essa homenagem minha a São Paulo, seguindo uma espécie de “caminho da riqueza” ao longo de seus quase 500 anos de vida. 

E por que escrever tudo isso aqui, em um blog de corrida – e não de história? 

Porque uma das maiores preciosidades de correr, para mim, é poder se desligar do presente e atravessar o tempo, imaginando o passado e projetando o futuro. É um tipo de corrida diferente, claro – mais metafísica do que física, mais espiritual do que muscular, mais intensa do que cotidiana. 

E, de vez em quando, é o tipo mai perfeito de corrida que pode existir. 

Tomara que um dia São Paulo volte a se cuidar melhor e deixe de ficar tão abandonada quanto está hoje. 

Enquanto isso, permanecerei correndo e, claro, sonhando.

   

Checkpoint: Tentando me livrar da angústia

Quer irritar alguém que tem como principal remédio mental passar horas a fio correndo por ruas e trilhas? Deixe a sua mente motivadassa e as pernas mastigadas de tanto cansaço. 

Pouca coisa resume melhor esse meu fim de novembro. Exausto sem “motivo de curto prazo”, já que acumulei apenas 40 míseros quilômetros na última semana, cheguei a cancelar meu longão de ontem por pura incapacidade física. A dor, embora não lascinante, era de uma constância insuportável. 

Em comparação, era como estar com uma permanente febre de 37: nada que prendesse o corpo à cama mas, ao mesmo tempo, o suficiente para barrar qualquer atitude mais “viva”. 

O que fazer em situações assim? Dar tempo ao tempo e tirar uma espécie de férias pode, afinal, curar o corpo e afundar a mente na areia movediça do sedentarismo conformista, preguiçoso. Para alguém com a minha história, que teve a vida literalmente salva pela corrida, isso assusta demais. Forçar a barra, então? E se o que está ruim piorar? Que alternativa será deixada? 

Em meio a esses conturbados pensamentos, calcei o tênis, desliguei a angústia munchiana e saí.

A meta: um “longuinho” de 20km por um dos meus roteiros preferidos, o centro de SP. 

Por um tempo, devo dizer que foi uma boa decisão: sempre se pode confiar no inspirador contraste entre a imponência neo-clássica do Martinelli e a podridão dos mendigos da Sé. Há tanta beleza decadente, tanta promessa de futuro chafurdada no mais abandonado dos passados, que se consegue praticamente sentir o tempo em cada passada. 

O longuinho ajudou – mas também cansou mais do que deveria, um lembrete do péssimo estado geral em que o corpo está. Não vou dizer que me arrastei até em casa: o descanso de ontem fez algum bem, afinal. 

Mas o roteiro do centro à Liberdade ao Parque da Aclimação e de volta via Paulista, que poderia ter sido bem mais incrível, acabou mais sofrido que o esperado. 

Mas quer saber? Pelo menos encheu o peito com uma dose de endorfina a mais. 

Que essa dose dure e inspire a próxima semana. 

   
 

Checkpoint: Voltando às raízes

Talvez o título do post não esteja exatamente correto: quando comecei a correr, o fiz para perder peso, ganhar saúde e permanecer vivo. Simples assim. 

Mas, em um determinado ponto, provavelmente como todo corredor, comecei a perceber que correr nos dá a bênção de testemunhar todo um mundo à nossa volta, de desbravar os lugares mais afastados e descobrir os mais próximos. Essa descoberta pode não ter sido o que me fez levantar cedo nos primeiros dias, mais de 12 mil quilômetros e 3 anos atrás – mas certamente foi o que me fe começar a me divertir. 

Essa semana foi sobre isso. 

Refazendo planilhas para ajustar corpo a teoria, com a próxima prova ainda distante no calendário, mergulhei em audiobooks e em cenários diferentes com um poder de concentração que há tempos não me visitava. 

Na terça e quarta corri ao som de V. S. Naipaul, ouvindo história atrás de história passada na África colonial e decisivamente quebrando qualquer forma de barreira de tempo e espaço.

No feriado de 9 de julho corri pelo centro velho – sempre um prazer inenarrável pelo mundo de contrastes que oferece – e terminei quase no meio de um desfile militar para comemorar uma revolução que, verdade seja dita, nunca aconteceu de fato. 

Ontem voltei ao centro e o fiz de cabo a rabo, passando pela região da bolsa, pelos prédios de um passado glorioso que não mais existe, pelo marco zero nos tempos dos jesuítas, pela Pinacoteca, pelo pedaço do Japão no Parque da Luz. Foi uma das melhores corridas que já tive na vida tamanhas as possibilidades de me perder pelos pensamentos escondidos nos olhares e tijolos com os quais me defrontava. 

E hoje… bom…. hoje, um dia de sol e céu azul descendo com um manto de manhã sobre uma rua molhada, posso dizer que cheguei ao limite do que meu corpo estava preparado. Nem cheguei a completar a volta ao Ibirapuera: voltei antes, temendo as dores que pareciam insistir e castigar as pernas e ameaçar algo mais sério. E, apesar de ter acumulado uma quilometragem baixa perto do que estou habituado – pouco a mais de 70km – voltei bem. 

Voltei com aquela sensação de redescoberta, de saudade da rua e das trilhas, de ímpeto de traçar novos planos para os próximos longões. E me reconfortando também com o fato de que, afinal, estava ainda voltando à forma depois de duas ultras fortes em menos de 30 dias. 

Até por tudo isso, foi uma surpresa me deparar com o gráfico abaixo, mostrando que fiz minha melhor meta de pace semanal desde o começo do ano. Se divertir faz milagres.

   
 

Correndo pelo tempo, pelo mundo e pelo centro

7 da manhã, hora de sair desbravando um mundo que parece exótico de tão diferente – embora esteja há apenas metros de distância. 

Bastou cruzar a Paulista e seguir mais alguns passos e pronto: estava no centro velho de São Paulo. 

De início, passando pelas zonas mais degradadas da Augusta e Consolação, áreas que parecem ter nascido com um tipo de decadência típica de grandes cidades. São vias que funcionam como túneis do tempo, ligando o moderno ao antigo, o presente ao passado. 

E o passado, afinal, era o destino. 

Com algum zigue-zague proposital, subitamente me deparei com a Boa Vista. Região da Bolsa de Valores, onde ruas não existem e tudo é calçamento. 

Fiquei rodando pelos chãos de cimento ladeados com pedras portuguesas, uma espécie de tentativa de mesclar a solidez de uma cidade moderna à sua velha herança colonial. Prédios incríveis se enfileiravam: Edifício Martinelli, Centro Cultura Banco do Brasil, Banespa e outros. Muitos outros se erguendo do chão como monstros de dinheiro olhando, com algum desprezo, o que acontece aos seus pés. 

Mendigos, ambulantes, imigrantes vestindo cartazes, sacoleiros. O chão, ainda molhado pela ingênua tentativa da prefeitura de tirar o odor fétido do centro, era puro contraste. Todo o centro era contraste. 

De um lado para outro, fui ao grandioso Vale do Anhangabaú, ao Municipal, à Sé, ao Mosteiro de São Bento, ao Páteo do Colégio. De ponta a ponta, o passado colonial de São Paulo ia se transformando em uma Paris dos trópicos e, depois, em uma vila Africana abandonada pelos colonizadores europeus. 

Saí. Fui até o Mercado Municipal, tendo ao lado mais decadência que lembrava de um passado melhor por meio de casarios coloridos e agitados. Dei a volta nele, me esforçando para ignorar o cheiro de frutas podres, e voltei. Estava indo à Luz. 

Na velha estação, dei uma volta pulando drogados que queimavam cachimbos de craque fazendo de conta que eram postes. A única forma de ignorar os perigos do centro de São Paulo, aprendi, é fazendo de conta que eles são apenas parte imóvel da paisagem. E forçando a vista para que ela se concentre na beleza. 

Há beleza. Há a Luz, a Pinacoteca, a Sala São Paulo. Há o Museu da Língua Portuguesa, há as primeiras igrejas plantadas no então sólo indígena. 

Há o oásis que é o Parque da Luz. 

Entrei nele e, de repente, foi como se tivesse atravessado uma dimensão inteira. Tudo era silêncio, exceto por alguns pássaros cantando. A pequena trilha em seu entorno, adornada com alguns lagos e esculturas, ouviam apenas passos de outros poucos corredores e seu interior era tomado por japoneses jogando peteca e rindo em outro idioma. 

Dei mais que uma volta: o contraste fez um bem incrível. 

E depois saí. 

Hora de voltar pela cracolândia, de passar pelos prédios incríveis e de subir a Brigadeiro. Subi tudo. 

Atravessei a Paulista. 

Desci. 

Dali em diante, foi só seguir a rota convencional margeando o Parque do Ibirapuera. 

Aquela parte do dia, no entanto, já havia terminado – e com uma viagem à parte. Em pouco menos de 3 horas e 28km, rodei pela história da cidade, por imigrantes e migrantes, por neo-yuppies bêbados e mendigos esquálidos, por Brasil, Paris, África e Japão. 

Poucas trilhas são mais intensas do que essas que cortam uma malha urbana tão densa quanto a desta incrível cidade. 

   
    
    
   

Checkpoint: Restart

Com motivação em alta, madruguei hoje para correr por São Paulo. 

Paraty havia ficado para trás e não minto que, durante todo o trajeto de volta, fiquei observando as montanhas do litoral norte paulista caçando trilhas com os olhos e desejando estar perdido nelas. Perfeito: isso confirmou apenas que o mais importante dos ingredientes deste esporte, a empolgação, estava em alta. 

Não foi difícil decidir acordar às 5:30, com um céu nublado ainda escuro e um frio de 11 graus, e rodar pela cidade. Por locais diferentes dos habituais, diga-se de passagem: Barra Funda, Parque da Água Branca, um Minhocão que em instantes serviria de percurso para alguma prova de 10K qualquer, toda a região do centro sujo porém belo da cidade, incluindo Bolsa de Valores, Edifício Martinelli, prédio do Banespa, Municipal etc., subida da Brigadeiro, virada da Paulista, um corte pelo pequeno mas charmoso Parque Trianon e, enfim, encerrando na porta de casa. 

21km em que fiquei curtindo cada passo e ladeira, dividindo a concentração entre pensamentos sobre novos projetos e um audiobook incrível de V.S. Naipaul, A Curva no Rio. 

Cheguei revigorado. 

Agora mal posso esperar para engatar a semana que vem com uma motivação arrebatada para todas as frentes da vida. 

  

Que tal mapear a cidade por zonas de corrida?

Férias tem uma consequência imediata: o ócio criativo. Verdade seja dita, estou de férias há apenas algumas horas – mas correr em plena quarta sem ter que voar para a agência em seguida faz a mente viajar um pouco. Instantaneamente.

Hoje, viajei por um possível projeto novo. Que tal organizar uma área aqui no blog com as trilhas urbanas e parques perfeitos para corrida em São Paulo? Aparentemente, há interesse: os posts sobre Horto, Parque do Carmo, Ipiranga, centro etc. tem sido bastante acessados, o que indica também uma espécie de vontade dos corredores paulistanos de sair da rotina, do cotidiano. Para corredores de fora que estiverem visitando Sampa, por sua vez, pode ser um bom conjunto de dicas para sair do óbvio.

E, como sair cortando a cidade de ponta a ponta tem sido algo maravilhoso, seria um projeto perfeito para levar adiante.

Pois bem… 2014 encerra-se assim com algo diferente: um mapeamento de lugares perfeitos – ao menos na minha opinião – para se correr nessa metrópole tão caoticamente gigante quanto incrível.

Começarei por organizar as páginas, ao mesmo estilo da Ultra Estrada Real, e por estruturar melhor os posts que fiz. De pouco em pouco, vou montando aqui um banco de zonas de corrida para todos os gostos – o que também me ajudará bastante a caçar novos e impensáveis locais, além dos parques tradicionais e escondidos no meio do cinza paulistano.

Ao menos por hora, parece uma boa ideia. Vamos ver na prática!

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Trilha Urbana: Da Sé ao Ipiranga

No domingo passado, decidi mudar a rotina e correr pelo centro da cidade – mais precisamente pela região da Pinacoteca e Luz. A experiência em si foi tão incrível que decidi repetir a dose no longão deste último sábado, alternando apenas o roteiro para desbravar um pouco mais dessa cidade que eu tanto amo.

Pois bem. O começo foi uma subida direta da Bela Cintra até a Paulista, cruzando-a, pegando a Consolação e descendo em direção ao centro velho. A primeira meta era o Teatro Municipal, um dos mais belos prédios da cidade e que logo foi alcançado. Dei uma volta, momento no qual um certo orgulho bateu por viver aqui.

Municipal

Teatro Municipal

Olhei o roteiro programado na noite anterior e segui em direção ao Viaduto do Chá, um dos símbolos da industrialização da cidade. Mais um pouco e me deparei com o antigo prédio do BANESPA, próximo à prefeitura, que se erguia em meio a outros arranha-céus sóbrios no estilo Gotham City.

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Prédio do BANESPA

À minha frente se estendia o Mosteiro de São Bento, um dos palcos de tantos eventos históricos que São Paulo já abrigou. Assim como boa parte do centro, seu estilo quebrava a paisagem de prédios gigantes contrastando com mendigos nos chãos. Muitos mendigos, aliás.

Mosteiro

Mosteiro de São Bento

A outra parte do centro, que fiz no domingo passado, era tomada por putas, cafetões e viciados; esse parecia reduto dos moradores de rua. Mais calmo e menos perigoso – mas decididamente mais decadente.

Próximo ao Mosteiro, a paisagem muda completamente: entra-se no Pátio do Colégio, marco zero de São Paulo e cercado por uma antiga igrejinha e muitas casinhas coloniais antigas, algumas inteiras, outras cedendo ao tempo.

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Pátio do Colégio

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Região do Pátio do Colégio

Mais um pouco e, de repente, o cenário muda de novo. Dessa vez, ergue-se à minha frente a majestosa Catedral da Sé, com palmeiras formando uma espécie de caminho santo e mais mendigos fazendo do solo as suas casas.

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Catedral da Sé

Se

Região da Sé

A beleza e a tristeza parecem conviver em uma harmonia quase intrigante no centro. Faz parte do roteiro, acredito.

Da Sé, era hora de tomar uma reta e mudar de zona. Segui ladeira abaixo e acima, passei por uma parte do bairro da Liberdade e continuei.

Liberdade

Liberdade

Meu destino era o Ipiranga, um dos mais antigos bairros onde dois marcos se apresentam: o riacho onde a independência do Brasil foi decretada por D. Pedro I e o Palácio impressionante erguido às suas margens.

No caminho – uma avenida inteiramente margeada por árvores e com alguns casarões antigos – o Palácio já pode ser visto. Amarelo, longo, imponente, ele deixa clara a força da realeza que um dia habitou por essas terras.

Na chegada do Parque da Independência, um monumento belíssimo, onde parte dos restos mortais de D. Pedro I descansam (apenas o seu coração está fora, na cidade do Porto), pontua a paisagem. Pontua não: exclama. Alto.

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Monumento da Independência

Ele abre caminho para um parque incrível, muitissimamente bem conservado, que se estende até as escadarias do palácio. Percorri o parque, entrando em uma de suas laterais para ver uma casinha de pau a pique bem antiga que parecia perdida por lá. Pelo que li, era uma venda usada por tropeiros (e pelo próprio Imperador) quando vinham para São Paulo. À época, nada daquilo era parte de um centro urbano: a cidade estava longe ainda, lá pelos lados da Sé que, a essa altura, já estava a quilômetros de distância.

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Casa de Pau a Pique no Parque da Independência

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Palácio do Ipiranga

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Palácio do Ipiranga

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Palácio do Ipiranga

Voltei da casa e subi as escadarias. Ao fundo do Palácio há uma pequena trilha margeada de bambus – algo quase exótico de tão contrastante. Peguei a trilha, respirei fundo e deixei o Ipiranga.

Meu destino agora era a Aclimação.

Todo aquele local é recheado de morros: de repente, subidas íngremes e descidas fortes viraram comuns. Planos eram inexistentes, bom para o condicionamento e para o treino.

Depois de subir, descer, subir e descer, cheguei no Parque da Aclimação. Um oásis com um lago no meio e uma quantidade de verde tão intensa que, por um minuto, esquece-se de que se está no meio de uma das maiores metrópoles do mundo.

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Parque da Aclimação

Lá no Parque, uma inconveniência: a bateria do meu celular acabou, levando consigo o mapa que me guiava. Tudo bem: estava agora dependente das placas de sinalização.

Confesso que me perdi um pouco nas ladeiras mas, depois de algum tempo, fiz meu caminho de volta pela Paulista e até a minha casa.

Estava finalizada a trilha. E quer saber? Recomendo a todos. Há tantos segredos nas grandes cidades, tantas paisagens que acabamos ignorando por hábito que um pouco mais de atenção acaba sendo até mesmo inspiradora.

Deixo o meu trajeto abaixo para quem quiser – mas com um pequeno alerta: por algum motivo, o Strava teve problemas e me “roubou” 2,5km no começo. Perceba que o ponto de largada e de chegada estão distintes no mapa quando, em realidade, foram o mesmo local. Bom… é só considerar a chegada como ponto de largada e um total percorrido de 22,5km, aproximadamente.

Strava

22,5km de muita, muita inspiração deixada nas ruas de Sampa.

Checkpoint semanal: Velocidade, tempo e centro

De vez em quando, uma semana de treino acaba se transformando em um período de descobertas.

Apesar de não ser obcecado por pace, notei que estava lentamente diminuindo minha velocidade média na medida em que passava mais e mais tempo nas ruas. Até aí, nenhum problema: aproveitar é o verbo mais importante quando se corre, ao menos em minha opinião.

Mas aí algo diferente aconteceu: juntamente com a perda de velocidade veio um desnecessário aumento do cansaço. Ou seja: estava correndo menos e cansando mais, uma combinação decididamente ruim.

Aí decidi ouvir – finalmente – o meu treinador.

A contragosto, diminui o tempo na rua e aumentei a velocidade por meio de mais tempo runs e intervalados. Ainda estou na primeira semana dessa mudança – mas os efeitos já estão acontecendo.

Fato: tenho voltado exausto das corridas em dias de semana – mas mais motivado, como se cada minuto tivesse valido mais a pena.

Faltava alguma coisa, no entanto: algo que me fizesse aproveitar mais nos momentos mais livros – os finais de semana.

Bom… no domingo passado, mudei o percurso tradicional e me mandei para o centro de São Paulo, rodando Pinacoteca, Luz e toda uma gama de prédios belíssimos e históricos. Foi como fazer turismo em minha própria cidade, com tempo e disposição. Amei.

Repeti a dose ontem, no sábado, só que fazendo uma outra parte do centro e indo até o Palácio do Ipiranga. Foi um longão memorável, daqueles que transformam corridas em passeios intensos. E esse veio com um bônus: descobri que o centro de São Paulo é quase uma cordilheira: a quantidade de morros, tanto pela região da Sé e seus vales quanto pela Aclimação, entre o centro e o Ipiranga, delineiam o perfil perfeito para se treinar em subidas e descidas.

Hoje voltei ao centro, fazendo uma mescla mais livre do percurso e incluindo Sala São Paulo, Sé, Municipal e região da Bolsa de Valores. Rodei por algumas ruas novas e desconhecidas por mim, repletas de casarões incríveis, e voltei pela Consolação. Tudo novo, visto sob uma ótica diferente.

Já disse isso antes e repito: recomendo a todos. Sair da rotina é simplesmente necessário de vez em quando.

E vejam só: no final de contas, ao tentar ser mais conservador no meu treino, acabei me focando em velocidade, ampliando áreas de corrida e ganhando excelentes oportunidades subindo e descendo morros. Perfeito, não?

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Trilha urbana: desbravando São Paulo

Ontem, com um pouco mais de tempo nas mãos para fechar a minha meta da semana, decidi criar um domingo diferente. Por que percorrer a mesma rota de sempre se eu poderia, afinal, desbravar um pouco mais de São Paulo em um domingo preguiçoso, calmo e perfeito para correr? Essa cidade é tão incrível e tão cheia de contrastes, afinal, que chega a exigir um pouco mais de atenção focada, do tipo que não se desfaz com buzinas ou distrações frugais.

Pois bem: vamos, então, ao centro.

Comecei subindo a Bela Cintra e cruzando a Paulista. Minha meta era chegar até a Estação da Luz e a Pinacoteca, rodar um pouco pela região e voltar. Simples assim.

Continuei pela Bela Cintra no sentido centro e troquei de via até a Consolação. No caminho, alguns mendigos se mesclavam com aquele cenário cinza de igrejas e praças cuidadosamente decadentes da região.

Igreja da Consolação

Igreja da Consolação

Entrei um pouco por algumas vielas, subindo escadarias só para sentir mais o local e, depois, voltei para a avenida. Prossegui ladeira abaixo.

Em um momento, acabei entrando na Ipiranga onde, ao fim, a Estação da Luz se estendia como uma linha de chegada. Belíssima de longe e de perto, assustadora a média distância. A estação em si é bem cuidada mas, aos domingos, mendigos, traficantes e prostitutas fazem de lá uma espécie de ponto de encontro para passar o tempo e discutir irrelevâncias. Seus risos altos atravessavam os fones de ouvidos e seus olhares eram ácidos, acostumados a meter medo. Tudo bem: era só seguir reto.

Estação da Luz

Estação da Luz

Atravessei a cena e margeei a estação até entrar no Parque da Luz, uma espécie de oásis verde em pleno centro feito de lagos, bosques e estátuas que servem de lar para inúmeras espécies de pássaros. Apesar de pequeno, é sem dúvidas um dos mais bonitos e bem cuidados parques de São Paulo.

Parque da Luz

Parque da Luz

Fui pela trilha que o circunda, driblando alguns japoneses tirando fotos, mães passeando com seus bebês e, vez por outra, algum corredor perdido. Do lado de fora, uma fila imensa se formava para entrar em uma exposição nova na Pinacoteca, outra jóia do centro que salta aos olhos.

Entre a fila e o prédio, fiquei com o prédio. Corri olhando cada coluna e detalhe arquitetônico, imaginando tudo o que já havia se passado por ali e o tanto de contraste que, hoje, ele leva ao centro velho.

Pinacoteca

Pinacoteca

De lá, saí do parque e voltei à região da estação. Desta vez, no entanto, entrei correndo por ela, atravessando-a por dentro e sentindo um pouco do clima dos que estão indo e vindo de algum lugar qualquer.

Na saída que escolhi, a Estação Júlio Prestes, que hoje abriga a Sala São Paulo, me puxou como um ímã. Segui pelas bordas de um terreno baldio pontilhado por prédios abandonados e – novamente – sob os sons das putas e cafetões. A polícia revistava dois suspeitos em uma das esquinas – o que me fez preferir outra. Ignorei um pouco a cena.

Corri, corri e cheguei ao incrível prédio.

Lindo, de uma branquidão pulsante, imponente, exalando orgulho.

Estação Julio Prestes

Estação Julio Prestes

Hora de voltar para casa.

Na busca por alguma placa que indicasse o melhor caminho, acabei me deparando com o Minhocão – uma avenida suspensa que corta parte do centro e que foi responsável por uma desvalorização quase hedionda de toda a região. Aos domingos, no entanto, todo ele fica fechado para trânsito e é usado por ciclistas, corredores e famílias de uma maneira geral.

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Subi boa parte dele até cair, novamente, na Consolação, já próximo de casa. À minha direita estava o Mackenzie e, alguns metros depois, o cemitério. Versão paulistana do cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, as esculturas fúnebres são facilmente visíveis pelo topo dos muros. Quando pensei em entrar, já era tarde: estava já adiantado demais e voltar não valeria à pena.

Cemitério da Consolação

Cemitério da Consolação

Entrei em seguida em um dos principais cartões postais da cidade, a Avenida Paulista. Como precisava ainda fazer alguns quilômetros, rodei até quase metade dela, na frente do MASP.

Avenida Paulista

Avenida Paulista

Entrei no pequeno Parque Trianon, um outro oásis perdido e muitissimamente bem cuidado que colore um pouco a capital. Cruzá-lo foi rápido: são poucos metros de extensão percorridos em calçadas de pedras portuguesas e pontilhadas com pequenas casas antigas.

Parque Trianon

Parque Trianon

A partir daí, foi só descer um pouco da 9 de Julho, pegar a Lorena e seguir de volta até a Bela Cintra.

A trilha urbana de 15km, composta por prédios antigos, zonas degradadas, parques e muita história estava terminada. E, sem sombra de dúvidas, foi uma corrida muito mais memorável do que qualquer bate-volta normal pelo Ibirapuera ou outra rota mais cotidiana.

Ainda faltou ver muita coisa: não passei pela Sé, pela zona da Bolsa de Valores, pelo Pátio do Colégio ou Mosteiro de São Bento. O centro de Sampa é tão grande quanto a cidade – o que acaba nos fazendo deixar sempre alguma coisa para uma próxima vez.

Que bom: certamente haverá muitas próximas vezes.

(Para quem quiser conferir, meu percurso inteiro está abaixo):

Trilha Urbana por São Paulo

Trilha Urbana por São Paulo