No teto de São Paulo

Cruzei o portão de acesso do Pico do Jaraguá às 7:10, 10 minutos depois dele abrir: gosto de começar a correr cedo, antes do dia acordar. 

Normalmente, uma pequena fila de carros já está formada a essa hora, com corredores e ciclistas se preparando para enfrentar a subida. Hoje, não.

O frio intenso, a garoa fina e a neblina espantaram praticamente todos. Quase todos: eu, afinal, estava lá.

E amei.

Sem música nenhuma nos ouvidos além do som dos ventos soprando a mata, fui serpenteando a estrada pico acima, desviando das árvores derrubadas pela tempestade da noite anterior e respirando o ar puro, úmido, típico de montanha. 

Fui lento, leve, constante. A cada curva cênica, uma conclusão qualquer sobre um pensamento também qualquer, aleatório, que se instaurava na cabeça. Estava tão só naquela montanha fria, belíssima, que me sentia correndo dentro de um sonho. 

Na medida que subia, o frio apertava. O verde intenso das encostas começou a ceder, sendo coberto por uma película de nuvens que, a cada metro, se engrossava. Em mais alguns quilômetros tudo era branco: enxergar qualquer coisa que não poucos metros de asfalto no chão se tornara impossível. 

Perfeito: não enxergar nada, às vezes, nos faz entender tudo muito melhor. Quando cheguei no alto, no pico, estava dentro de uma nuvem gelada sendo soprado por solitários cordões de vento, uivantes, de uma calma quase monástica. Era hora de descer.

Caminho oposto, sob todos os aspectos. Voei ladeira abaixo, a pace queniano, como se estivesse sendo perseguido por um urso polar. A cada passo, o branco foi cedendo e o verde, gritando. O frio foi cedendo espaço ao suor e até uma paisagem qualquer, em um dado momento, decidiu furar a neblina e se exibir. Havia movimento nela: carros, luzes, passos. 

À minha frente, dois corredores e um ciclista, furaram a solidão e superpopularam o local. Até mesmo algumas vozes decidiram contestar os ventos.

Aí cheguei de volta no carro.

Ao pico ermado, à base movimentada. Correr no Jaraguá tem disso: além da vista deslumbrante, aproveita-se toda uma imersão em metáforas mil e mergulha-se naquela zona densa, funda, encravada lá no interior da espinha. É um dos lugares mais incríveis para se comer quilômetros.

Antes de voltar para casa, fiz mais um bate-volta ao topo, fechando os 18km que tinha programado para o dia. E aí tomei o meu rumo.

Era hora se começar o dia.

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Que venha a Indomit Costa Esmeralda 100K!

A esta altura, minha esperança de passar por um percurso seco, relativamente tranquilo e sem muitas intempéries, já se foi. Mesmo que não chova na madrugada do dia 6 para o dia 7, as tempestades das últimas semanas já se encarregaram de deixar o solo molhado o suficiente para garantir muita, muita lama.

Paciência.

Inaugurei minha primeira prova mais longa em trilhas na mesma região: foi a Indomit Bombinhas, com 42K, regada a chuva e a escorregões. Quando terminei, jurei a mim mesmo que jamais voltaria ao local.

O tempo passou, me adaptei mais às trilhas, perdi o medo. E, curiosamente, lá estarei eu para uma nova estreia: os primeiros 100K.

O que esperar? No mínimo, uma dificuldade técnica alta.

A largada será na madrugada, garantindo pelo menos umas 6 horas de escuridão. Comigo, além da óbvia mochila de hidratação, levarei uma lanterna testeira poderosa e poles para ajudar no equilíbrio e nas escaladas. Serão muitas: 3.088 metros acumulados, para ser exato. Pior: as maiores montanhas estarão justamente no começo, quando a luz inexistirá.

100k1

Não vou estimar pace algum aqui – mas ficaria muito feliz de chegar ao menos próximo do marco da maratona quando o sol começar a raiar. 4 ou 5 subidas, portanto, estarão para trás.

Ainda assim, não planejo acelerar nada: a meta é ir no ritmo que o corpo, os olhos e o equilíbrio permitirem, poupando energia física e mental para os últimos trechos.

A parte “boa” é que, por mais que seja uma prova dura, os trechos mais ásperos serão percorridos à noite, sem que os olhos possam assustar a cabeça devido à redução no campo de visão. É o ideal? Não sei – mas é o que se apresenta.

Pelo mapa, pelo menos, haverá alguns espaços longos de “calmaria técnica”: ruas, seja de asfalto ou de terra, onde a cabeça poderá descansar um pouco.

Aproveitemos também esses espaços.

Aliás, aproveitemos tudo.

Serão meus primeiros 100K e nada melhor do que começar em um lugar incrivelmente lindo, com um desafio forte e um potencial altíssimo de boas histórias para contar.

Minha expectativa de tempo? A julgar pelos tempos do ano passado, imagino que levarei algo entre 15 e 18 horas. Menos, difícil; mais, possível.

Seja como for, espero apenas uma coisa: que me divirta por cada um dos segundos que a Indomit durar!

Fazendo as pazes com a USP

Não era o plano original: hoje deveria ter ido ao Pico do Jaraguá. Mas acordei tarde e, por algum motivo, decidi ir até a USP. 

Estava ‘embirrado’ com a USP. Por algum motivo, provavelmente pelo excesso de longões rodados lá no passado, enjoei das voltas, das paisagens, do trânsito de bikes e corredores. De repente, tudo pareceu lotado demais para um sábado de manhã. 

E comecei a variar. Rodei parques novos, trilhas escondidas, bairros distantes. Amei cada parte dessas descobertas e provavelmente continuarei as tendo como meta todos os sábados. 

Mas, por algum motivo, decidi voltar à USP hoje. Fui guiado pelos pés: quando cruzei a ponte da Rebouças, ao invés de seguir pela esquerda até o Morumbi, virei à direita até o Butantã. E fui. 

Sob um garoa insistente, entrei nos portões da Cidade Universitária e percebi que, na verdade, o lugar continuava sendo uma espécie de oásis da corrida. Calmo, silencioso, arborizado. Fiz a rota normal uma vez, subindo a belíssima Rua do Matão. Aquele sempre foi o ponto mais bonito de toda a USP. 

Desci voando, completei o circuito e dei outra volta. Nesta, no entanto, peguei uma outra curva e aumentei a circunferência, passando por áreas mais desertas. Na descida, desviei de novo e, desta vez, desci a Rua do Matão pela primeira vez na vida. 

Entrei na trilha, úmida e escorregadia por conta do tempo. Dei uma volta. Saí. 

Peguei uma diagonal até a praça do monumento. Voei até a raia olímpica e fui margeando-a até a saída. 

Com e memória de uma espécie de redescoberta de um local tão importante na minha vida de corredor, segui até em casa fechando exatos 35km de longão. 

No final de uma corrida daquelas perfeitas, onde tudo parece se encaixar e com endorfina durando do primeiro ao último passo, uma sensação ficou: fiz as pazes com a USP. 

Que bom. 

  

Como descer nas trilhas

Resumão desses vídeos:

  1. Alternar de um lado para outro (ao invés de seguir em linha reta) para usar o peso do corpo como forma de se equilibrar
  2. Dar passos minúsculos, permitindo maior controle em caso de escorregões e pisando de forma mais leve no chão
  3. Tocar o solo da maneira mais “plana” possível
  4. Usar a musculatura da coxa nas passadas para melhorar o controle de descida
  5. Evitar tocar o solo sobre pedras (o que é meio óbvio, diga-se de passagem)
  6. Sempre ter em mente o passo seguinte, não o atual
  7. Abrir os braços, deixando-os soltos para dar mais equilíbrio ao tronco
  8. Arriscar alguns saltos quando a gravidade parecer maior que o controle sobre o corpo

Mini-aula:


Vendo o mestre dos mestres, Kilian Jornet, em câmera lenta:

Sobre dores e medos

OK, hoje já era para eu fazer um trote leve de uma hora pelo parque. 

Afinal, é quarta, terceiro dia depois da ultra em Atibaia e período no qual, normalmente, o corpo já está inteiramente recuperado. Foi assim com Comrades, afinal… 

Só que a realidade está diferente. Bem diferente. 

A sola do pé direito ainda dói, as coxas cismam em dar pontadas e as pernas meio que falham de leve no simples ato de caminhar do ponto a ao ponto b. 

Há um nome para essa dor: altimetria. 

Os 90km de Comrades, afinal, não chegam nem perto do tanto de subida técnica que enfrentei nos últimos quilômetros do domingo, terminando a prova no topo da Pedra Grande. 

E olhe que até subi bem. Subir em trilhas técnicas é algo que faço com relativa tranquilidade – bem mais, pelo menos, que descer, quando uma onda desnecessária e meio constrangedora de medo de cair parece dominar cada um dos meus instintos. 

O instante em que tive que descer um trecho do percurso de volta, quando me perdi, para apenas depois prosseguir com a escalada, foi algo próximo do vergonhoso.

Mas vamos por partes. 

Primeiro, dando mais tempo ao corpo para que ele se cure e sem forçar nada: a última coisa que quero é algum tipo de lesão. 

E, segundo, dando algum jeito de treinar melhor as descidas. 

Como, ainda não sei. Os parques de São Paulo não são exatamente terrenos técnicos. Mas algum jeito há de ser dado. 

  

O pico

Não é (só) pelo fato de ser o ponto mais alto de São Paulo, o que garante uma vista fora de série da terra da garoa e um treino em subida fortíssimo.

Correr no Pico do Jaraguá tem algo de mágico.

Começando pela chegada, logo antes das sete, quando carros se avolumam na portaria aguardando que seja aberta. Depois vem aquele mar de preparações: ciclistas mais aventureiros montando suas bikes, corredores se equipando com água e escolhendo entre trilha e asfalto, curiosos apenas admirando o oásis verde no meio da metrópole.

Depois, o caminho. Pelo asfalto, 4,5km serpenteando a montanha e dando margem a vistas incríveis a cada curva. Paredões rochosos, verdes intensos contra um céu em processo de azulação, cheiro de mato acordando, suor e ácido lático denunciando o esforço. Cansa subir lá – e como.

Mas, no topo, a vista final compensa com a cidade se espalhando pelos seus pés como uma pintura meio neo-impressionista. 

Vista, aliás, que melhora ainda mais pela descida da trilha do Pai Zé, mais técnica e intensa. Corta a mata, demanda mais atenção a cada passo, libera doses cavalares de ácido lático. E compensa.

Quase 20km se passam entre duas subidas e descidas alternando asfalto e trilhas pelo Jaraguá. Passam marcando o cansaço, claro – mas aliviando o peito com esse presente que é respirar com os olhos, por assim dizer.

Poucos lugares são tão maravilhosos pra se correr na capital paulista quanto o Pico.

  

Trilha urbana: Morros de Perdizes e Pompeia

Treinar subidas em São Paulo? Não é preciso buscar refúgio no Pico do Jaraguá ou nos extremos da capital paulista. Aqui mesmo, bem no centro, há um local perfeito para se brincar com a altimetria e fazer uma corrida com perfil de eletrocardiograma: os bairros de Perdizes e Pompeia.

Comecei por uma rota mais habitual: desci até a Sumaré, segui pela ciclovia até a Barra Funda, dei uma volta no Jardim das Perdizes e duas no Parque da Água Branca.

Foi lá que a brincadeira efetivamente começou.

Depois do já levemente acidentado Parque da Água Branca, virei antes do Minhocão e subi a Cardoso de Almeida. E subi. E subi.

A partir daquele ponto tomei uma decisão: como tinha ainda mais que uma hora de treino programado, sairia simplesmente caçando ladeiras.

E assim fui cruzando por Perdizes, subindo e descendo escadarias imensas entre ruas, chegando a mirantes escondidos e brincando de contar torres de TV. Entrei por becos, saí em avenidas, mergulhei em pequenas praças com um verde reluzente, descobri casarões incríveis ao lado de casinhas bucolicamente perdidas.

Saí de Perdizes e, por entre ruas sombreadas por árvores imensas, cheguei na Pompeia. Subi e desci, fui e voltei e cruzei por tantas ruas que cheguei a realmente não fazer ideia de onde estava.

Depois de um tempo percebi que a Heitor Penteado estava logo ali no alto. Subi, cruzei e, de repente, estava de novo na Sumaré, embora no sentido oposto. Corri até a Brasil, rodei mais alguns quilômetros e pronto: cheguei em casa.

Fartlek é um estilo de treino onde se brinca com velocidades intensas por curtos períodos de tempo. Não fui rápido em nenhum momento hoje: a própria planilha já continha a clara instrução para eu evitar velocidade.

Mas esse treino foi, sim, uma brincadeira como em poucos outros. Não sei que palavra existe para isso – ou mesmo se existe alguma – mas, ao invés de perseguir velocidade, acabei brincando de gangorra pelos morros de uma das regiões mais acidentadas e deliciosas desta incrível cidade.

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Garmin vs. MiCoach: Discrepâncias grandes no cálculo de elevação acumulada

Depois desses últimos dias nos Andes, me peguei pensando bastante sobre irregularidades na medição de altimetria acumulada por devices diferentes.

Desde que troquei o MiCoach pelo Garmin, os gráficos passaram a indicar mudanças absolutamente bruscas nos perfis altimétricos de meus treinos – algo péssimo quando se tem corridas em montanha como alvo.

Além disso, dois fatores me chamaram a atenção:

a) Na Douro Ultra Trail, o ganho total de elevação, oficialmente medido, foi de 4,5 mil metros ao longo de seus 80km. Foi duro, mais viável. Pois bem: no total semanal em que estive nos Andes, o Garmin indicou que subi pouco menos de 2,5 mil metros – mas sou capaz de jurar que o esforço foi, no mínimo, equivalente ao da DUT. Eram muito mais montanhas, para dizer o mínimo, em um ritmo de subida bem mais intenso.

b) Uma das corridad que fiz lá mostrou uma discrepância importante. Fiz ida e volta no mesmo percurso e o resultado foi desconcertante: o GPS mostrou um ganho altimétrico muito maior na primeira metade, algo tecnicamente impossível.

Veja: não estou falando de margens de erro desprezíveis de 5%: estou falando de diferenças que chegam a superar os 60%!

Na terça passada fiz um teste diferente: corri com o Garmin no pulso e a app da MiCoach no IPhone ligados. Assim, ambos mediriam exatamente o mesmo percurso, pelo mesmo tempo.

Resultados abaixo:

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O gráfico acima é o do MiCoach. Perceba que ele marcou 147m de subida acumulada (em um total de 10,96km percorridos).

Veja agora o do Garmin:

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Aqui, a elevação acumulada despenca para 98m por 10,82km. A diferença na quilometragem em si é mínima, desprezível – mas a altimetria variou 50%!

E por que isso é importante? Treinar para provas em montanha requer mais prática em subidas e descidas do que qualquer coisa! E como, então, basear um modelo inteiro de treino em dados com uma variação tão ridícula sobre o mesmo percurso?

Na falta de resposta, fui até a Web. Saí com menos respostas.

Parece consenso que o Garmin Forerunner 620, que uso, tem falhas no cálculo de altimetria – mas é também muito falado que o GPS do IPhone, no qual o MiCoach se baseia, também erra bastante.

O que fazer então?

Nada. Ou melhor: voltar aos velhos tempos e correr com base na sensação de esforço, essa sim mais acertiva que qualquer device eletrônico. Por incrível que pareça.

Vídeo com dicas para a Indomit K42 Bombinhas

Empolgado pelo vídeo de ontem, sobre o DUT, acabei acordando para o fato de que minha preocupação maior deveria ser a Indomit K42 que, afinal, acontece neste sábado!

Pelo jeito, será uma corrida com direito a muita chuva, lama e todo tipo de dificuldade que serve como boas vindas para novos corredores de trilha como eu. Como o vídeo da prova tem apenas imagens promocionais, busquei um da MidiaSport mais interessante, com relato gravado ao longo da prova e ilustrando melhor os seus altos e baixos. Para quem se interessar vale conferir abaixo.

(O post feito pelo Enzo Amato também é bem interessante e pode ser acessado clicando aqui.)