33 graus, 92% de umidade relativa

O problema definitivamente não foi o sol. Tanto hoje quanto anteontem saí com o dia ainda escuro, às 5:15 da manhã aqui na região central da Florida. 

O problema foi o calor perfeitamente temperado pela umidade. 

Saí por uma rota improvisada pela estrada, buscando me fazer visível na contramão dos carros com uma camisa mais brilhante que a luz do dia. Funcionou. 

Se alguém visse a cena a distância – incluindo um céu azul escuro com uma lua imensa reinando absoluta – imaginaria um clima ameno, gostoso. Não era o caso: mesmo no final da madrugada o calor castigava como em poucos outros lugares em que já estive. 

Quando o dia em si nasceu, lá pelas 6:30, sem uma única nuvem, tudo piorou. 

Cada passo vinha acompanhado de jorros próprios de suor.

Por algum motivo, tanto a braçadeira com o IPhone quanto a garrafinha d’água que carregava pareciam mais pesados, quase insuportáveis. 

Nos momentos em que tinha que correr sobre a grama, a umidade nas solas dos pés davam aquela sensação de talho dolorido, rivalizando com o ardor dos olhos por conta das gotas de suor que insistiam em entrar pelas pálpebras para queimar as pupilas. 

A estrada vazia à frente, rodeada de pântanos, mostrava as ondas de calor que o corpo, absolutamente pegajoso, denunciava. 

Tudo estava grudento, molhado, pesado. 

Entrei por caminhos diferentes para variar a paisagem: a sensação de estar no passado confederado americano trazia algum conforto – sempre curti a percepção de correr pela história. Casas e hotéis com a arquitetura sulista se erguiam em frente a lagos com ares de pântano enquanto a trilha sonora, quase que inteiramente feita de sapos e pássaros, completava a paisagem. 

Mas era o calor quem falava mais alto. Muito mais alto.

Na prática, estava fazendo 33 graus com umidade de 92%. Não faço ideia de como calcular a sensação térmica disso, mas certamente não é coisa bonita. 

Ainda assim, depois de 20km nesse cenário novo que mesclava Saara a Amazônia, as reclamações do corpo cederam espaço a uma espécie de alegria esquisita: estava, afinal, experimentando uma espécie de novidade na corrida, cruzando lugares novos e em condições absolutamente diferentes do que esotu habituado. 

Incomodou? Sem dúvidas. 

Doeu? Sim. 

Mas mal posso esperar para repetir tudo amanhã. 

  

 

Longos nem sempre são longos

Havia compromisso hoje cedo: o longão teria que ficar para depois das 10. 

Sem problemas: já saí pronto e equipado para o que deveria ser mais um dos percursos de desbravamento da selva urbana, iniciando pelo centro e cruzando Memorial da América Latina, passando pela casa do Mário de Andrade, subindo e descendo ladeiras de Perdizes. 

Em um dia de sol a pino e com um calor daqueles que amo, poucos prospectos seriam melhores. 

Só que algo estava errado. 

O primeiro sinal veio pelo ouvido: o fone que usava quebrou de vez, me impedindo de ouvir as instruções de rota sussurradas pelo Google Maps. O percurso teria que mudar, saindo do centro e indo para algum lugar com o qual estaria mais familiarizado. 

Sem problemas. Joguei fora o fone e segui. 

Olhei o Garmin como faço instintivamente, já sem perceber. Segundo sinal: ele estava travado, reiniciando. O mundo digital estava sendo claro comigo: eu estava perdido, ao menos “espiritualmente”. 

Respirei fundo e notei que um cansaço extremo subia pelo corpo: pernas doíam, joelho direito simulava uma pontada, pálpebras pareciam ter sono. 

Me lembrei da semana anterior, onde acumulei talvez mais do que deveria de quilômetros sobre dunas. Olhei para cima: o sol, que sempre me inspirou excelentes corridas por mais ardido que estivesse, parecia severo, quase malvado. 

Olhei para trás: havia praticamente acabado de começar. 

Olhei para a frente: o mais sensato seria seguir uma reta até em casa e dar o dia por encerrado. 

Foi o que fiz. 

O menor longão da história acabou com pouco mais de 3km em 18 minutos. 

Hoje, o corpo queria descanso – e ignorá-lo realmente não parecia boa ideia. 

  

Abundantemente só

Verdade seja dita, hoje era dia de descanso. Mas como conseguir? Como evitar que o corpo se erguesse sozinho para aproveitar a paisagem exuberante que descansava logo ali, 10 metros depois da janela? Saí.

E, desta vez, fui pela praia. Pela esquerda, rumo ao rio menor, em um naco mais deserto do litoral.

Não fosse a beleza estonteante do lugar, eu poderia até achar que estava correndo em uma esteira: o cenário era tão deserto, mas tão deserto, que a sensação de solidão se mesclava ao seu exato oposto: à de abundância. Tudo era gigante: o mar infinito se estendendo pelo horizonte à direita, a areia dura que se perdia pela frente e atrás, as dunas pontuadas por um ou outro cactus do lado esquerdo, o céu cintilantemente azul ardendo as costas nuas.

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Segui assim por pouco mais de 8 quilômetros até chegar à beira do pequeno rio. À minha frente, torres eólicas se alinhavam como que apontando para pequenas casas de pescadores nas margens, enfeitadas apenas por cores desbotadas e barcos cearenses típicos.

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Voltei.

Mesma abundância na volta, por todo o caminho. Na metade, parei ainda para subir uma duna que se estendia quebrando a horizontalidade do litoral. Suas areias deixavam crescer um pouco de mato rasteiro – o suficiente apenas para chamar a atenção. Do outro lado, um riacho fadado à morte serpenteava até lugar nenhum, sendo invadido pela areia fina de grão em grão.

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Mais para o horizonte, o cenário parecia outro: cactus se alinhavam dando um toque texano ao local e atordoando um pouco a mente. Parei, fotografei, gravei a cena na memória.

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Estava já quente, embora o relógio ainda não tivesse sequer chegado às 7:30 da manhã.

Percebi que dunas e cactus foram cedendo espaço a pequenas falésias cavadas, provavelmente, por insistência das marés altas. Árvores secas pendiam de cima, algumas derrubadas, mostrando todo o poder de se ser persistente mesmo diante de toda a vagarosidade do mundo.

Entrei por uma fenda nas falésias, fazendo o caminho de volta por dentro. Segui, agora ardendo sob o sol nordestino, até a pequena vila, onde dei uma volta na igreja matriz antes de retornar ao hotel. Tudo estava como ontem: calmo, parado, com ares de um eterno domingo.

Perfeito para começar uma quarta.

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Buscando a paisagem “errada”?

Esse será o cenário para a semana que vem inteira:

  
Perfeito, não? Praia calma, águas refrescantes e aquele clima zen que só o nordeste consegue entregar ao país.

É nessas horas que descobrimos o quanto corredores devem mesmo ter problemas. 

Usei o Google Street View na região que estarei, no litoral cearense, e eis o que apareceu: 

  
É mais ou menos em ruas de terra assim, castigadas pelo sol inclemente e beirando paisagens que se situam entre a miséria e o bucólico, que correrei nos próximos dias. 

Curiosamente, estou muito mais empolgado com esse novo território para correr do que com qualquer praia. 

Vai entender…

Corra pelo sertão e litaratura no incrível Caminhos de Rosa

Na quinta-feira, 24 de setembro de 2015, um grupo de ultracorredores partirá para uma daquelas aventuras inesquecíveis que só quem ama as longas distâncias experimenta. 

Nesse caso não basta apenas amar a distância: é necessário estar REALMENTE preparado para ela. Serão 263km cortando o sertão mineiro e seguindo a mesma rota que Guimarães Rosa percorreu e onde tirou inspiração para sua obra prima, Grande Sertão: Veredas

Cada pedacinho de chão lá do norte mineiro, com temperaturas variando de 18 a escorchantes 44 graus, dará aos corredores a oportunidade de viver na pele as letras de um dos maiores gênios que o Brasil já deu ao mundo. 

Paisagens? De chãos talhados a lagos secos, de vidas a ermo a esperanças pairando pelos ares, de suor em cada pedaço azul do céu a noites estreladas como se estivesse flutuando pelo universo: assim deve acontecer a nova edição do Caminhos de Rosa, uma prova icônica organizada pelo André Zumzum e que merece a atenção de todos. 

Destaco a organização porque foi o próprio Zumzum que, como voluntário, organizou a Ultra Estrada Real com uma maestria absoluta, fazendo aquela “prova independente” ser melhor organizada do que muitas, mas muitas provas oficiais mundo afora. 

O que, então, se deve esperar? Dificuldades extremas, um calor infernal, história e literatura s emetamorfoseando em vistas inesquecíveis e muita, muita brasilidade. 

Quer saber mais? Clique aqui, na imagem abaixo (de uma foto tirada do percurso) ou vá ao link http://caminhosderosa.com.br. Se, se tiver coragem de se inscrever, boa sorte! Não estarei lá esse ano – mas certamente participarei em alguma edição futura!!! 
  

Checkpoint: Semana das meias

Não dá para dizer que foi uma semana fácil. Dos 5 treinos, 4 foram meias quebradas e 2 sequências cada. Para deixar a brincadeira mais intensa, as duas primeiras foram percorridas no calor da capital baiana e as duas últimas com pesos extras na mochila de hidratação, já em Sampa.

Mas isso não é uma reclamação: é o oposto. Dá para perceber que o ritmo está, aos poucos, realmente começando a mudar, invertendo a tendência de desaceleração que vinha se impondo às minhas performances de maneira geral.

Na comparação com a Comrades do ano passado, tenho adicionado altimetria, dificuldades e mantido um pace médio apenas levemente mais lento.

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O ponto positivo é que a diferença mínima de pace vem acompanhada de um volume de treino maior, o que significa uma resistência mais compatível com as ultras.

Ainda há, no entanto, um longo caminho a ser percorrido até chegar no ponto que desejo. O importante, claro, é persistir.

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Meia do sol

Nosso corpo esquece fácil.

Saí de Salvador para morar em São Paulo há quase 20 anos. À época, o calor intenso da cidade era apenas cotidiano, alvo de pequenas reclamações frugais e base para muitos programas que tinham o sol e o mar como protagonistas máximos.

Com o tempo, as lembranças foram ficando no passado mais remoto, naquele canto do cérebro que desconhece termômetros e sensações mais fisiológicas.

E muita coisa aconteceu – incluindo a minha descoberta da corrida como esporte que, hoje, é parte tão integrante do meu estilo de vida.

Todo ano volto a Salvador, nem que seja por um punhado de dias, para me abençoar nas águas de Yemanjá, revisitar o passado e, claro, correr a cidade. E todo ano me esqueço de como aqui é quente.

Hoje saí para fazer 2 horas de treino às 7 da manhã. Só que 7, no nordeste, está longe de ser cedo.

O termômetro que encontrei já no km 3 apontava 28 graus. De tempos em tempos, quando cruzava por outros termômetros, via aumentos contínuos que rimavam bem com os rios de suor que jorravam do corpo.

Umidade alta, sol escaldante e nenhuma única núvem no céu.

Para não esquecer que era Carnaval, alguns trechos eram pontilhados por ambulantes dormindo ao lado de seus isopores e caminhões ensaboando todo o asfalto para limpar um pouco o pecado que faz da capital baiana seu lar durante os festejos.

Em um ou outro canto, casais continuavam firmes na safadeza, certamente remanescente da noite anterior e embalada por um mar deslumbrantemente azul.

Eu amo esta cidade.

Com esses pensamentos ecoando entre os ouvidos, cheguei ao bairro de Ondina, logo antes da Barra, e dei meia volta.

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Decidir o ponto de retorno em um percurso tão quente e úmido tem o lado bom e o ruim. O bom, claro, é saber que dali em diante, a próxima parada é em casa; e o ruim é a certeza de que ainda há o dobro de chão a percorrer enquanto o dia apenas esquenta.

Tudo bem: fechar duas horas com qualidade no calor do auge do verão baiano serve, no mínimo, como treino mental.

Aprende-se, por exemplo, a encontrar pontos no percurso que tirem o foco do esforço. Como essa vista abaixo, por exemplo, que praticamente me acompanhou por todo o caminho:

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Perfeito.

Pelo menos o suficiente para que eu ignorasse os efeitos do inclemente (mas belíssimo) sol soteropolitano e fechasse uma meia maratona inesquecível.

Oi verão

Depois de algum tempo, consegui energias para uma corrida ontem pela manhã.

Nem precisou ser tão cedo, inclusive: com as primeiras horas ficando mais leves no trabalho, esticar um pouco no parque ficou mais viável. Bela decisão.

O céu estava azul brilhante, nítido e sem nenhuma única mancha branca. O sol, quente, forte, queimando a pele e declarando a incontestabilidade de sua estação.

Cheguei no Ibirapuera no meio de uma sessão de tempo run e me esvaindo em suor. Pela frente, bikes e corredores formavam aquela multidão de indivíduos imersos em suas próprias solidões. Uma solidão feliz, aliás, a julgar pela luminosidade dos rostos. O verão faz isso.

Adoro o verão. Nasci em Salvador, terra do sol, e o calor úmido da Bahia fez parte da minha vida por 18 anos. A gente fica mais íntimo do sol, entende melhor seus humores e fica viciado na luz que emana de seus raios.

Por mais que eu ame São Paulo, não nego que sinto uma baita falta do sol e do calor o ano todo. O cinza do céu, a camada fina de poluição que apaga um pouco a saturação das cores, o frio que volta e meia desce sobre essa parte do país… tudo isso tem um efeito esquisito na mente.

Mas ontem não. Ontem foi dia de calor, de sol, de luz, de suor, de cores, de verão.

E isso porque estamos apenas no começo da estação!

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