Beleza vicia

Já no domingo, horas depois de chegar em casa de São Bento do Sapucaí, me peguei vasculhando sites em busca de uma próxima ultra. 

Fiz isso escondido, acrescento: ser visto em casa entre gemidos de dor buscando uma próxima prova massacrante poderia ser interpretado como sinal de indiscutível loucura, talvez me rendendo um passeio até o manicômio mais próximo. Era prudente evitar. 

Depois de um tempo, no entanto, entendi melhor o que estava acontecendo. É simples: beleza vicia. 

Não há pontadas de dor nas coxas mastigadas pelos 3.500 metros de subida ou pelas unhas buscando fugir dos seus respectivos dedos que superem um único suspiro de paisagem maravilhosa. Mesmo nos momentos mais difíceis, como chegar ao primeiro cume ou serpentear sem água por um improvável bananal parece, aos olhos atuais, uma frugalidade. 

A falta de água não deixa memória: o bananal com suas folhas abafadas tentando, inutilmente, esconder as montanhas, deixa. 

A lembrança do esforço se esvai antes mesmo dar dor: a imagem da serra se exibindo, com seu verde clorofilático, em um show quase erótico, fica. 

E são essas imagens, essas cenas e sensações, que praticamente ordenam os dedos a passear por sites buscando a próxima serra, as próximas gotas de suor endorfinado, as próximas linhas de largada. 

Sim, beleza vicia. 

Não vou dizer aqui que seja um vício saudável. Talvez nenhum seja, é bem verdade – mas passar 10, 15 ou 20 horas correndo sem parar certamente está ali pertinho de alguma droga pesada. 

Mas, já que não mata, o que se há de fazer senão se entregar de peito, alma e pernas a toda essa beleza que cisma em se traduzir em percursos improváveis? 

Que venha mais beleza. Que venha uma próxima prova. 

  

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