Dormi fora de Sampa na terça passada.
Por conta de uma reunião, fui até Brasília fazer um “semi-bate-volta”, chegando tarde da noite, trabalhando na manhã seguinte e voltando antes do cair do sol da quarta.
Essas viagens até costumam ser cansativas – mas elas permitem uma fuga da rotina que eu, pelo menos, amo. A melhor parte: poder acordar com tudo ainda escuro e correr sem compromisso do setor hoteleiro até o Parque da Cidade.
Uma vez lá, apenas uma palavra se materializou: silêncio.
Às 5:30 da manhã, a cidade era apenas as minhas passadas ritmadas e eventuais zunidos finos de bikes que voavam em suas próprias dimensões.
À frente, uma rua inteira vazia, meio mal iluminada, praticamente me convidava a trotar para o lado que quisesse, fosse em direção aos lagos ou aos aromas intensos do cerrado que, por si só, são marcantes.
Havia já esquecido o que era correr em tamanha solidão: em São Paulo, a qualquer que seja a hora, há sempre mais gente pincelando os cenários de ruas e parques. Lá na capital federal, não: a escuridão e o silêncio eram tamanhos que, confesso, chegavam a dar medo em alguns momentos.
Mas aí era só esquecer, se concentrar nas passadas e seguir em frente sorvendo cada grão de silêncio.
Até que o sol resolveu nascer.
Não lembro se já comentei isso antes, em algum outro post, mas poucos céus são mais intensos do que o de Brasília. Quando o sol nasce, então, é um espetáculo à parte: o horizonte começa a pegar fogo, alternando tons desesperados de vermelho, laranja e amarelo contra um fundo que, aos poucos, vai deixando de ser negro. É forte, imperativo.
Na medida em que as cores vão ficando mais intensas, toda uma sinfonia se desenrola: pássaros começam a cantar em sincronia, cheiros ficam mais fortes e parece que até o oxigênio se torna mais abundante, disponível. É como se a Caixa de Pandora fosse lentamente aberta, transformando a calmíssima noite do cerrado brasileiro em mais um dia exageradamente confuso da capital federal.
E durou apenas 15 minutos. Depois, veio o barulho dos carros; apareceram mais corredores; sons de vozes começam a abafar as passadas; o calor, até então inexistente, desceu com os raios do sol.
Sim: correr na madrugada brasiliense é uma experiência à parte. De certa forma, nos deixa mais humildes, mais conscientes de que alguns dos principais espetáculos da natureza – como o nascer do sol no cerrado – acontecem justamente quando estamos mais ausentes, mais camuflados, quando não estamos preocupados em roubar o protagonismo do dia e damos margem para que ele se imponha à sua própria maneira e em seu próprio ritmo. Nos transforma em meras testemunhas, ainda que fazendo surgir uma espécie de felicidade orgulhosa por não termos perdido o show.
E se, por um lado, seja uma pena que esse show dure tão pouco tempo, não deixa de ser reconfortante se lembrar que ele acontece todo dia. Basta que estejamos um pouco mais atentos e dispostos a assistir.
Ricardo,
Por coincidência, no domingo passado, também iniciei o treino de 35 km, às 05:30 horas. A única diferença é que não externei com tão maravilhosas palavras, a sensação de correr com o dia amanhecendo em Brasília. Parabéns guerreiro, em mais uma oportunidade “espetáculo de texto”. Forte abraço,
Dionísio Silvestre
http://correrpurapaixao.blogspot.com.br/
Valeu Dionísio! Correr lá em Brasília é sempre fenomenal por conta desse cerrado maravilhoso!