O tornozelo ainda lembrava um pouco que Comrades estava a menos de uma semana de distância – mas estava na hora de virar a página.
Depois de quase uma semana sem correr, calcei o tênis, vesti a roupa e saí para o Ibira.
Era a minha primeira corrida depois da ultra que dominou os meus sonhos por tanto tempo. E o dia estava igual aos tantos outros que, por meses, me viram percorrer o asfalto.
Mas alguma coisa estava diferente.
Enquanto corria em passadas ainda lentas, meio cansadas, dava para ver uma espécie de realidade nova formada por uma maior autoconfiança e certeza de que somos capazes de muito mais do que os nossos próprios corpos imaginam.
A experiência espiritual, para dizer o mínimo, que dominou os últimos quilômetros de Comrades, deixou marcas. Mudou. Abriu um acesso, talvez, para um território mental que eu só conhecia pelos livros.
E fui mergulhando fundo nesse território, explorando-o um pouco mais, a cada passada. Estava conhecendo melhor uma zona mental nova, feita de pura concentração zen e que, até então, estava escondida no cotidiano.
Quilômetros foram se diminuindo. Músculos, se soltando. Dores, sumindo.
Até que a volta se completou e, de repente, estava de volta em casa.
Hora de subir e retomar a rotina que me aguardava – mas ciente de uma espécie de novo poder mágico que, a partir de então, já estava destrancado.