trilha
7 Deserts | Jordan
(Eu quero)
Checkpoint: Areia movediça
Fiz outra tentativa hoje. Estava sol, um calor senegalês, o percurso à frente tinha estradas de terra, morros e vistas, e podia rodar o suficiente para, quem sabe, soltar mais o corpo.
Essas últimas duas semanas foram como correr na areia movediça. Se exagerasse na dose, acabaria afundando em dores generalizadas pelo corpo; se cedesse e descansasse todos os dias, a sensação de estar enferrujado apenas pioraria. Precisava achar algum tipo de equilíbrio, se situação limítrofe entre me manter ativo mas não atropelado, respirando rápido mas não esbaforido, suado mas não encharcado.
Hoje foi mais ou menos isso. Não digo que estou perfeito – mágicas são mais raras do que deveriam. Mas rodei os 10K sorvendo vistas, sol e calor, com AC/ DC puxando a endorfina e aquele cheiro de mato que sempre, sempre ajuda.
Terminei inteiro – muito melhor do que ontem e do que nos últimos dias. Terminei também fechando mais de 50K na semana, apenas levemente a mais que na semana passada e, portanto, somando volume como maneira de me salvar da areia movediça.
Ainda estou nela, aparentemente: seria ingenuidade partir pra um treino completo, como se nada tivesse acontecido. Mas estou – também aparentemente – muito mais a solto do que estava, já enxergando dias melhores no horizonte.
De volta ao Ibirapuera
Não vou mentir: estava sim cansado, com a musculatura meio dolorida e os olhos pesados. Mas a vontade de voltar à ativa foi maior: saí no final da tarde e me esbaldei em 20km pela trilha que circunda o Ibirapuera.
Teve um pouco de tudo: audiobook entoando histórias de lugares distantes, pôr do sol colorindo o obelisco e o lago, casais se encontrando (sob todos os aspectos) e um caminho vazio, livre, aberto, feito de terra ocre temperada por galhos e pequenas poças denunciando a chuva dos últimos dias.
Parecia que o parque estava me esperando.
Ainda bem que apareci. Foi como se tanto eu quanto ele – o Ibirapuera – tivéssemos ficado aliviados.
Vídeo: Como foi o primeiro dia que me aguarda
O título do post pode parecer um paradoxo gramatical – mas ele está certo. Explico: há 3 levas de largadas no Cruce, todas fazendo o mesmo percurso: o primeiro dia, ontem, foiçara a elite/ avançados; o segundo, hoje, será para duplas; e o terceiro, sexta, será para amadores (me incluindo aí).
E, como eles estão filmando cada uma das etapas e disponibilizando praticamente em tempo real na web, deu para sentir como será o meu primeiro dia. E, aparentemente, apesar de ser o dia mais longo (com 40K), ele será relativamente tranquilo, sem trilhas técnicas e com um percurso tão “corrível” quanto maravilhoso. Será uma espécie de boas vindas, creio.
Veja abaixo:
Caminhos de Rosa pela frente?
Depois de uma longa troca de mensagens com o Zumzum, amigo e organizador dessa prova, a vontade de percorrê-la foi instalada fundo.
Não na versão de 250km – ainda não estou nesse nível de loucura – mas na de 140km.
140km rodando pelos sertões do Guimarães Rosa, conhecendo os pontos exatos que se transformaram em suas histórias, sentindo o sol queimar as costas com a mesma fúria resignada com que torra o solo… Putz, tudo isso é, no mínimo, absolutamente inspirador.
E, como ela está prevista lá para agosto… Quem sabe?
Achando a corrida catártica
Para mim, não há como começar um ano sem antes fechar o anterior. E não estou falando aqui apenas de comemorar o Reveillon, obviamente.
Mas há sempre aquela corrida perfeita que divide dezembro de janeiro, que vira a página do passado e coloca em nossa frente todo um conjunto de páginas em branco prontas para serem recheadas com novas histórias.
De 2014 para 2015, essa corrida catártica aconteceu lá no pé dos Andes, na Patagônia Argentina.
2015 em si foi fechado em clima oposto, sob os mais de 40 graus do verão carioca, mas em trilhas que, apesar de opostas, compartilhavam graus semelhantes de beleza. Mas a corrida catártica de 2016 aconteceu mesmo aqui, de volta a São Paulo, no Ibiraquera.
No sábado passado, ainda com as pernas cansadas de subir os morros de Niterói, saí para 15km mais que “comuns” pela trilha do Ibira. De comuns, no entanto, eles tiveram pouco.
Apesar de ter feito a mesma rota de sempre, o gosto era outro: havia tempo de sobra para que eu aproveitasse o clima, havia lama suficiente na trilha para que ela ficasse deserta e umidade suficiente no ar para que a mata exalasse aquele delicioso aroma tão anômalo às grandes metrópoles.
Cheguei a parar no meio do parque e simplesmente respirar o entorno, me sentindo parte do Parque como nunca antes. E, entre um pensamento e outro, o ano anterior acabou sendo devidamente deixado para trás enquanto toda uma nova energia tomava as minhas veias de assalto.
Estava pronto.
Que bom: o ano, afinal, promete ser bastante intenso.
Checkpoint: Resetando os sistemas
Depois de correr pela superfície do sol, de fechar o ano com mais de 3.700km rodados, de ter completado 6 ultras – incluindo uma Comrades, uma idealizada por mim mesmo na Estrada Real e meus primeiros 100K, nada mais natural do que resetar o organismo para prepará-lo para 2016.
Ou, colocando em outros termos: abri o ano com uma gripe daquelas que impede qualquer alma viva de sequer pensar em sair de casa. Verdade seja dita, fiz as minhas duas corridas inaugurais de 2016 – uma no Rio e outra em São Paulo – nos dias 1 e 2. Mas sair de 40 graus para pouco mais de 20 com direito a garoa teve seu preço.
Não reclamo: foram tantos os desafios em 2015 e tantas as conquistas que fará bem iniciar o ano com pernas frescas, ainda que motivadas por um descanso forçado e não planejado.
2016, portanto, começou com uma despedida de fim de ano e uma inspiração mais que bem vinda ao redor da minha segunda casa, o Ibira.
Já no primeiro trimestre serei pacer na BR 135 e farei o sonhadíssimo El Cruce entre Argentina e Chile. Não digo que é tempo de começar os treinos – estes nunca efetivamente pararam: apenas mudaram de foco no instante em que cruzei a chegada da Indomit. Mas digo que é tempo, sem dúvidas, de deixar o organismo se reorganizar.
Pela frente, certamente não faltarão novas trilhas a serem percorridas.
Pelas trilhas molhadas do Ibirapuera
A ideia nem era sair pra correr hoje, 2 de janeiro, primeiro dia em São Paulo depois dos inenarráveis visuais cariocas que presenciei.
A ideia era descansar pelo menos um dia, dando tempo para o corpo se recuperar melhor das trilhas e montanhas, das subidas, do calor de mais de 40 graus.
Mas como resistir? São Paulo amanheceu bem paulistana: nublada, com temperatura amena e uma finíssima garoa deixando o cenário mais úmido. Foi o suficiente: precisava inaugurar o ano na minha cidade.
Cansado ou não, troquei de roupa, calcei os tênis e saí para o Ibirapuera. Claro: não havia lugar melhor para começar o ano do que lá, que considero uma extensão de casa.
Cruzei as ruas absolutamente desertas de uma cidade que ainda não voltou de férias, entrei pelo portão da República do Líbano e virei à direita. Fui, claro, pela trilha enlameada, encharcada, deliciosa.
Aliás, ela estava tão molhada e carregada de poças que parecia ter havido um dilúvia nos dias em que eu estava fora. Nada melhor: um pouco de lama colore o tênis e a umidade fortalece o aroma das árvores e folhas do caminho.
Cheiros, aliás, estavam mais que marcantes na trilha. Terra molhada, flores, plantas cultivadas na zona das estufas e mesmo a grama pareciam insandecidas na tarefa de perfumar os primeiros ares do ano.
“Que seja uma metáfora para os próximos 12 meses”, torci.
Voltei com esse pensamento em mente. Terminei o loop com o tênis deliciosamente imundo, cruzei a Groenlândia esquisitamente deserta, subi o trecho rápido da 9 de Julho, virei na Brasil, subi toda a Ministro até a Paulista.
Revi a avenida símbolo da metrópole, passei pelo pequeno e bem cuidado Parque Mário Covas, desci a Bela Cintra voando em ritmo queniano.
Estava de volta.
16km de volta a casa, de loop em trilha enlameada, de inauguração de ano.
E ainda tem amanhã.
Niterói, dia 5: Orla de Itacoatiara
Na verdade, esse dia foi o 6. Ontem, dia 31, não me contive e saí para uma corrida de 10K às 2 da tarde sob um sol de mais de 40 graus. Cansei, suei até me desidratar e não cheguei a nenhum lugar bonito – mas valeu pelo simples fato de aproveitar o sol e gastar os últimos quilômetros de 2015.
Hoje, dia 1, foi diferente.
Acordei com aquele ar de ano novo, aquela vontade de iniciar um novo ciclo com toda a inspiração que certamente se fará necessária ao longo dos próximos 12 meses. Infelizmente não pude ir ao Parque da Cidade: rodar 26km sob esse calor e depois de tanta rodagem acumulada não seria “saudável”, para dizer o mínimo. Tudo bem: fica para a próxima.
Resolvi, então, juntar a inspiração para o ano novo e me despedir da belíssima Niterói em uma das mais incríveis praias que já vi: Itacoatiara.
E, assim, saí trotando leve até lá, cortando o calor que já se fazia imponente às 10 da manhã e chegando ao canto da praia carregado de energia. De lá, parei e fique alguns instantes olhando as pedras. Todas: a do Elefante, que subi nos meus primeiros dias, a do Costão, que subi há pouco, a Serra da Tiririca ao fundo e um outro morro que permaneceria um mistério.
Esse contraste de pedra, mar e verde exuberante é simplesmente fantástico. Inesquecível.
Fui de uma ponta a outra curtindo o litoral. Uma música leve embalou o pace e a mente, mudando o pensamento de retorspectiva a perspectiva a passe de mágica.
No final do dia estarei voltando para São Paulo, onde todo um novo ano me aguarda. Ainda terei um final de semana para completar esse bem vindo recesso – mas nada se comparará a esse mergulho na mata atlântica que foi essa descoberta de Niterói.
Nem imagino os desafios que 2016 colocará no caminho – mas é difícil não entrar no ano com a certeza de que todos serão devidamente vencidos depois de dias tão inspiradores, em paisagens tão exuberantes e com trilhas tão fantásticas como estas daqui.
Que venha o novo ano. De preferência com tantas belezas quanto as que encerraram os meus dias de 2015.







