Niterói, dia 3: Trilha da Pedra do Elefante

  
Não havia como deixar para outro dia. O gostinho da trilha na manhã anterior e a imagem da Pedra do Elefante (foto acima) estavam ainda frescos demais. Aliás, o mero pensamento de postergar em nome do descanso planilhado gerava calafrios.

Saí novamente, então, no instante exato em que o sol colocava a sua cara para fora. O caminho até a ladeira de Itaipuaçu parecia mais curto e até a subida estava mais leve. Em um punhado de quilômetros estava lá novamente, de frente para a entrada da trilha e, desta vez, com todo o tempo do mundo.

Subi. 

Primeiro mais devagar, saboreando o cheiro de terra e mato ao amanhecer. Depois, conter o pace passou a ser impossível: embalado pela umidade quente da mata atlântica carioca, pulei galhos, saltei sobre pedras e quase voei ao chegar nos trechos de single track mais lisos, gostosos. 

Em minutos estava na clareira que, talvez sem querer, indicava a metade do percurso. Segui em frente, pulando mais galhos que haviam sido derrubados por uma súbita ventania que varreu os morros horas antes, e cheguei no ponto exato em que parei na manhã anterior.

Olhei em volta, meio que tentando reconhecer o terreno. Havia uma descida mais íngreme pela frente, perfeita para ser engolida aos pulos, e uma nova subida. 

Mata fechada.

Calor.

Um verde deslumbrante dominava o cenário.

Em poucos metros, uma luz vinda de um céu até então oculto se esparramou por uma pedra. Diminuí o ritmo em respeito a ela e, em passos lentos, uma vista inenarrável se apresentou.

Desliguei tudo: Strava, celular, mente. Apenas achei um lugar para sentar e passei cerca de dez minutos tentando entender aquela pintura divina com direito a um mar tão azul quanto o céu, a rochedos gigantes se erguendo orgulhosos e árvores espalhando verde por todos os cantos. Ou melhor: por quase todos os cantos, já que o morro à frente tinha uma espécie de caverna imensa cuja porta se abria apenas para os azuis da água e do ar.

Perfeição, se fosse ilustrada, seria assim.

Depois de respirar, decidi dar mais alguns passos: não estava no pico, que exigia uma escalada BEM mais técnica, e queria conferir. Entrei novamente na mata e, depois de alguns passos, um paredão imenso se ergueu em minha frente.

Parei.

Olhei.

Até havia, verdade seja dita, uma veia razoável onde eu poderia encontrar encaixes para os pés e tentar subir. Mas era demais: a altura estava além da coragem, principalmente por eu estar absolutamente só lá na Pedra. Se qualquer coisa acontecesse seria necessário aguardar que outra pessoa decidisse passad por lá para, a partir daí, pedir algum socorro.

Desisti.

Voltei do paredão e parei mais alguns instantes no mirante improvisado pela natureza para tomar ar e inspiração.

Aquelas trilhas, ao menos para mim, estavam já cumpridas.

Era hora de voltar, feliz, e desenhar o percurso do dia seguinte pelo Costão.

   
    
       

El Cruce: Mapa e altimetria da etapa 3

Como devem ser a noite e o amanhecer em um acampamento no alto das montanhas andinas, sem luzes urbanas e com aquele silêncio que apenas a natureza consegue proporcionar? 

Essa é a minha principal curiosidade e ansiedade quanto ao Cruce. Não é só o desafio de cruzar a cordilheira, colocando o pé no Chile e voltando para a Argentina: é a curiosidade de sentir a vida no alto das montanhas. De estar em um dos topos do mundo, de respirar o ar puro, de sentir a altitude, de ver o planeta todo esparramado aos meus pés. 

Esta terceira e última etapa terá a primeira metade quase toda pela espinha dorsal das montanhas, provavelmente permitindo cenas memoráveis. Somente depois, lá pelo km 18, é que devemos descer e tomar caminhos mais ou menos planos até a chegada em San Martin de Los Andes. 

No total, serão 30km com 2.094m de subida e 2.530m de descida. 

No acumulado dos 3 dias de Cruce, terei rodado 100km, subido 5.091m e descido 5.229m. Para contextualizar, isso dará pouco mais da metade do Everest (8.848m) e mais que Mont Blanc (4.810m). 

E nem imagino as cenas que estarão gravadas em minha mente. 

Bom… a organização do Cruce ficou de disponibilizar algumas fotos do percurso nas próximas cartas aos corredores. Assim que chegar, posto por aqui. 

  

El Cruce: Mapa e altimetria da etapa 2

Aqui começa um novo território para mim. 
Em tese – bem em tese – rodar 100km em um só dia é “mais fácil” do que quebrado em 3 dias. Não sei se acredito nisso.

Afinal, quando se está no embalo de uma ultra, a mente cessa apenas depois de enxergar a linha de chegada. Dor de verdade vem depois, na manhã seguinte, quando cada milímetro da musculatura começa a bradar contra a via crucis que acabara de ser concluída. Mas o fato é que o corpo reclama depois que se roda 100, 90, 80, 50 ou mesmo menos quilômetros. Basta que o desafio seja intenso e haverá um espaço seguro para inflamação e dor. É aí que entra o desafio de ultras em estágios. 

Quando amanhecer neste segundo dia o corpo já terá acumulado 42km nas montanhas andinas com direito a 1.700 metros de subida e 1.800 de descida. E sabe o que aguarda? 

28km de adrenalina pura com mais 1.264 metros de subida e 815 de descida. 

Nesta etapa nos afastaremos do lago Lácar e entraremos mais a fundo nas montanhas, o que certamente será um presente para os olhos. Aliás, foi precisamente por esta etapa que escohi me inscrever na categoria “amador” (ao invés de “elite”). Apesar de ambas terem tempos relativamente folgados, queria ter a garantia de poder parar para tirar fotos em qualquer um dos pontos que julgar inesquecíveis. 

Há um ponto negativo aqui: a falta de um lago gelado na chegada impedirá o corpo de descansar como deveria. Tudo bem: a esta altura, com 70km acumulados, imagino que o corpo começará a entrar naquele estado de desistência de reclamação. Conto com isso. 
  

Fechando o ano no Pico do Urubu

2015 foi um ano intenso para mim. 

Ele abriu, já em janeiro, com 50K por puro charco na Serra do Mar. 

Emendou com a Ultra Estrada Real (87K), prova que concebi aqui pelo blog e que foi ganhando adeptos de maneira espontânea, se auto-organizando e acontecendo pelo maravilhoso interior de Minas. 

Teve minha segunda Comrades (87K), experiência absolutamente inesquecível. Teve mais 50K por Atibaia. 

Teve os meus primeiros 100K nas malvadas trilhas da Indomit Costa Esmeralda. 

E, entre uma e outra prova, teve muito trabalho, muito treino, muito foco e muitas, muitas novas amizades feitas. 

Mas 2015 foi além disso: foi o ano em que realmente me entreguei às trilhas, perdendo medo de qualquer tecnicidade e aprendendo, ainda que a duras penas, a voar ladeira abaixo e correr ladeira acima. 

Nada mais natural do que me despedir de 2015 nas trilhas, portanto. 

E, assim, fui com um grupo de 30 trilheiros para o Pico do Urubu, aqui no interior de São Paulo. Tece de tudo: um pouco de asfalto, muita estrada de terra, singletracks gostosos, mais de mil metros de subida, uma vista deslumbrante. De certa maneira, esses 23km que percorri ora rindo com amigos, ora calado, imerso em meus próprios pensamentos, foram uma mini-versão de um ano tão intenso quanto cansativo. 

Quando cheguei de volta ao carro, 3 horas depois, estava mais revigorado do que cansado. Foi como um banho de mar às vésperas do ano novo: aquela trilha me fez cortar, mentalmente, o Tempo: separou 2015 de 2016. 

Ainda há dias pela frente, claro – mas nem sempre o tempo se mede pelo calendário. 

Domingo foi um belo exemplo disso. 

   
    
    
    
   

Checkpoint: O alívio da linha de chegada

Descidas são sempre sagradas.

O corpo entra no próprio ritmo, os membros parecem se soltar, a velocidade flui na mesma medida em que o cansaço vai ficando para trás.

Essa semana começou cheio de subidas. Subidas daquelas íngremes, técnicas, de assaltar o fôlego. Houve dias no trabalho que eu mal sabia se conseguiria sobreviver até o Natal, tamanha a exaustão.

Mas fui em frente. De alguma maneira consegui encaixar os treinos planejados. De alguma maneira consegui sobreviver à segunda, à terça, à quarta.

E, de alguma maneira, a semana passou.

Ainda não estou de férias – ao menos não oficialmente. Mas agora, tudo está mais fácil, mais leve.

Melhor: a semana terminou com duas sensacionais corridas que conto depois, em outro post: um pelo centro no fim de tarde chuvoso desse último sábado e outro na montanha, entre amigos, subindo o Pico do Urubu.

Que esse período de final de ano dure ainda muitos dias. Preciso miito do descanso mental tanto para aliviar o cansaço de 2015 quanto para me preparar para 2016.

   
 

Como lidar com a imprevisibilidade

Se tem uma palavra que define bem corrida de montanha, ela é “imprevisibilidade”. Pode-se trabalhar como quiser no preparo, montando um treinamento “perfeito”, juntando o kit ideal, calculando os tempos nos pontos de controle com a exatidão de um matemático… Mas, ainda assim, as chances de erro são grandes.

E por quê? Porque, no final das contas, sempre dependemos da caprichosa vontade de Pachamama, também conhecida como Mãe Natureza. 

Me preparei para uma corrida longa, técnica e relativamente seca neste final de semana. Ela será longa e técnica – mas quis Pachamama que fosse também quase tão úmida quanto o oceano. Fazer o quê?

No começo, entrei em pânico: checava o Wearher Channel diariamente, acompanhava notícias da região, repassava o kit por horas a fio. Lama e eu, afinal, nunca nos demos muito bem.

Mas, com o tempo, acabei me ligando de uma coisa fundamental: ninguém está me forçando a nada. Me inscrevi nos 100K da Indomit Costa Esmeralda porque quis, comprei passagem e hospedagem sozinho e estou embarcando para Santa Catarina com os meus próprios pés. 

E, por mais que corredores de ultra sempre persigam o desafio, a superação e coisas do gênero, no final buscamos a mesma coisa que todo mundo: diversão. 

Largarei à meia noite da sexta pra o sábado para cruzar a Mata Atlântica, descobrir vistas novas, cair e levantar, me sujar feito uma criança, ficar ensopado e, espero, rir muito. 

Levei um tempo para aprender essa primeira lição, mas fico feliz que a tenha aprendido a tempo: a melhor maneira de lidar com a imprevisibilidade do tempo é sempre ter em mente que, no final das contas, só viemos mesmo ao mundo para nos divertir.

Que as quase 20 horas de prova sejam inesquecivelmente divertidas.

  

Filme: Gary Robbins dominando a Wonderland Trail

150km, com direito a 7.300 metros de ascensão, em menos de 20h53m. O que foi isso? A tentativa de Gary Robbins de bater um recorde considerado como imbatível em torno da montanha Rainier pela Wonderland Trail.

Como toda ultra, seja uma corrida ou um FKT, é absolutamente inspiracional e define muito sobre esse esporte. Vale conferir no filme feito pelo Ginger Runner: