Treinamento (espiritual) para o Caminhos de Rosa finalizado

Desde sempre, dividi o treinamento para o Caminhos de Rosa em duas partes.

A primeira, mais óbvia, incluía toda a planilha de 6 meses de treino exaustivo. Foi feita – resta apenas a fase de polimento, um cisco perto do tanto que já suei e me preparei.

A segunda era a espiritual, me impulsionando para dentro do universo de Guimarães Rosa.

Nos últimos 4 meses, portanto, li “Grande Sertão: Veredas” e as três obras que compõem “Corpo de Baile”: “Manuelzão e Miguilim”, “No Urubuquaquá, no Pinhém” e “Noites do Sertão”. Terminei a última história de “Noites do Sertão” na noite do sábado, já em estado de transe por toda a indescritível paulada cerebral todo aquele sertão me deu em suas 1.462 páginas.

Esse caminho de Rosa – o literário, não o físico – foi do tipo que precisa ser sorvido por algum tempo, que fica preso no nosso sistema sinpapsando metáforas e estalando conclusões sobre a vida, o mundo, o tudo.

Agora, é como se Riobaldo, Diadorim, Hermógenes, Miguilim/ Miguel, Dito, Manuelzão, Cara-de-Bronze, Grivo, Pedro Osório, Lélio, Dona Rosalina, Maria da Glória, Maria Behú e Dona Lalinha, Iô Liodoro, Nhô Gaspar e todos os loucos, as leis, as regras e as decisões do sertão estivessem já prontos para partir comigo.

São realmente poucas as provas que nos permitem entender tanto de nós mesmos quanto essa.

Que venha o sertão!

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Ah, as Olimpíadas!…

Teve outra coisa curiosa que aconteceu na semana passada.

Sob efeito da gripe, cortei meu longuinho do sábado de 20 para 10K. Esta contente com isso, satisfeito e, ainda que cansado, me sentindo cada vez mais preparado para o Caminhos de Rosa.

Até que as circunstâncias me deixaram sozinho em casa, sem mulher e filha, e com a TV ligada na prova de ciclismo de estrada. Sob um sol belíssimo, os ciclistas cortaram Copacabana, Vista Chinesa, Jardim Botânico, Ipanema…

Endurance puro, com direito a quedas e a um final sensacional com ultrapassagens nos últimos quilômetros, fazendo o dia lindo da cidade maravilhosa ficar ainda mais incrível.

O mais difícil? Controlar o impulso de sair para suar depois disso.

Coloquei de volta a roupa e saí para mais 10km. Fiz o pace mais rápido dos últimos 5 meses sem sequer sentir.

Olimpíada é sensacional!

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Checkpoint: Polimento, gripe e preparo

Era batata: tinha certeza que, no instante em que concluísse meu último longão, uma gripe avassaladora se abateria sobre mim.

Foi o que aconteceu.

Na última terça acabei indo para casa com febre, nariz entupido e dores em articulações que nem sabia que tinha. Tentei completar a planilha que, ainda que mais leve, estava lá para ser feita: não consegui.

Cortei a quinta por pura incapacidade física.

No domingo, já melhor, me preparei para sair. Fiz 2km e desisti: uma recaída empurrou a febre de volta para o corpo.

Tinha 60km para fazer, fiz exatos 43. Mas quer saber?

Foi das primeiras vezes em que não me senti “em débito” comigo mesmo. Estava claro que não adiantava forçar a barra, que o plano de treino havia sido feito nos últimos meses e que, daqui até a largada, tudo girará em torno de me administrar e de reparar o corpo.

Foi das primeiras vezes em que, mesmo chegando em casa depois de uma desistência de treino, me senti pronto para a largada.

Bom sinal.

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Primeira baixa do Caminho

Primeira e, tomara, última!

Depois da reunião com o apoio na quarta, o Paulo Penna acabou se complicando no trabalho e, portanto, se impossibilitando de participar da prova.

Além da companhia perdida, o ponto ruim é que acabei ficando com uma pacer apenas -a Luana. O lado bom: o número mínimo de 2 apoios foi mantido – UFA!

Tenho agora apenas que reprogramar a lista de compras- mas nada de traumático.

Em paralelo, tentarei também achar um outro apoio de última hora. Quem sabe não aparece algum outro louco querendo passar 24 horas no sertão? :-)

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Refazendo a motivação com o descanso

Amanhã, uma meia maratona me espera. 

Nada de 5 ou 6 horas correndo, rodando a cidade e cavando quilômetros. 

Sim: eu sei que eu mesmo busquei esses longões gigantes como parte do treino para a prova que eu escolhi. E sim: em condições normais, eu costumo ficar ansioso por passar horas a fio. 

Mas o cansaço acumulado está tanto que quase me emociono cada vez que vejo esses números pequenos na planilha. 

Isso me levou a uma conclusão importante: essa reta final treino, onde se expurga o cansaço do corpo, inclui também pegar de volta a motivação – boa parte da qual acabou sendo deixada pelo caminho. 

Como fazer essa mágica? 

Descansando e ficando mais inteiro, correndo apenas o suficiente para sentir o gostinho da endorfina nas veias. 

E talvez valha também escolher um percurso mais gostoso, tipo alguma trilha qualquer aqui por perto. 

 

Organizando o Caminho: equipe e checklist

Quarta-feira, 3 de agosto, 9 da noite.

Hora de começar a REALMENTE organizar a ultra, mesmo porque essa inclui um time de apoio próprio.

Enquanto escrevo isso – mais como um lembrete de tarefas do que como relato – converso com os três membros do time que estarão lá no sertão: Paulo Penna, que usará a função de pacer como treino para as 100 milhas que percorrerá no mês que vem; Mayra Galha, comadre que testemunhará pela primeira vez esse esporte doido que tanto amamos; e Luana Ornelas Bianchi, provavelmente a organizadora mais organizada que já pisou neste planeta.

As próprias bios resumidas já indicam os papeis de todos. Além de me aguentarem – nem imagino o estado de humor que ficarei depois de enfrentar 40 graus de variação térmica durante 3,3 maratonas – e de dividirem a direção do carro,:

  • Paulo provavelmente se esvairá em suor comigo ao coletar todas as letras que Guimarães Rosa despejou sob o solo do sertão
  • Luana garantirá a integridade geral de todos e manterá tudo nos trinques
  • Mayra, que é fotógrafa das de deixar Sebastião Salgado parecendo um batedor de 3×4, registrará essa épica jornada

Sendo prático, o que precisamos endereçar? Checklist abaixo com as iniciais dos nomes dos responsáveis:

  • Carro: Já alugado em BH. Paulo, único morador da cidade, pegará o carro na locadora e, depois de nos pegar no desembarque, iniciará a jornada no volante [R]
  • Os hotéis já estão todos reservados tanto na largada, no Morro da Garça, quanto na chegada, em Cordisburgo [R]

Equipamentos:

  • 1 esteira de Yoga para eventuais desmaios [R]
  • 1 cadeira daquelas de montar e desmontar para momentos de quase-desmaios [R]
  • 1 Cooler [R]
  • 1 mochila de hidratação para eventuais trechos em que o carro não possa ir [R]
  • 1 caixinha de lenços umedecidos + papel higiênico [R]
  • Roupas para mim mesmo: 1 calça para a noite, 2 shorts, 2 camisas, 1 camisa de manga longa, uma segunda pele (que ganhei no kit do Cruce) e uma polar (também do Cruce), meias extras, 2 tênis [R]
  • Vaselina o suficiente para eu escorregar em mim mesmo, evitando qualquer risco de assaduras [R]
  • Câmera da Mayra [M]
  • 1 kit de primeiros socorros [R]
  • Kit comida (pratos, copos e talheres descartáveis) [R]
  • 1 toalha [R]
  • 1 manta térmica [R]
  • Sacos de lixo [R]
  • 1 cabo USB para carregar o que puder ser carregado [R]
  • 2 Headlamps com baterias sobressalentes [R]
  • 2-3 Coletes reflexivos [R + L]

Mantimentos:

Como passaremos 24 horas, aproximadamente, no percurso – e como há muito poucos locais habitados – é importante ter comida e bebida para nós 4 no carro. Isso incluirá:

  • 1 saco de gelo, que deve ser reservado com antecedência e que já providenciarei [R]
  • Um montão de castanha do pará, nozes e amendoins (tanto eu quanto o Paulo somos low-carb) [R]
  • 12 latinhas de Coca [R – item a ser comprado em BH]
  • 30 litros de água [R – item a ser comprado em BH]
  • 20 barras de cereal [R]

Agora é providenciar tudo.

A primeira metade da medalha

Corridas longas, descobri, começam bem antes de suas largadas. 

Se puder generalizar, diria que todas podem ser divididas em duas grandes fases: o treinamento e o percurso em si. 

Qual é mais difícil? Depende. 

É difícil bater a dificuldade se se esguelar, por exemplo, ao fim de uma maratona, quando se busca um recorde pessoal qualquer. Sim: meses de treinos pesados são necessários – mas o relógio dos 42K é sempre mais sádico do que o tempo que o antecedeu. Sempre.

Em uma ultra cujo objetivo é terminar, tudo muda. Não se tem um tempo (exceto pelo corte) a bater: tudo se resume a chegar. E chegar, em casos assim, vem precedido de meses de treinamento interminável, com longões insanos e uma espécie de autoflagelação digna de qualquer pecador medieval arrependido. 

Estou exausto – mas a primeira fase do Caminhos de Rosa foi vencida. 

Não posso dizer que ela foi mais dura que a prova em si pois ainda não corri os seus 140K – mas posso dizer que será difícil bater o tanto de suor que derramei nesses últimos seis meses. 

Seja como for, estou me dando a liberdade de comemorar essa vitória desde ontem: não me recordo de ter passado por um período de treino tão pesado quanto este antes. 

A primeira metade da medalha já está no peito. 

Agora é só pegar a segunda.