Sempre me peguei pensando sobre como seria chegar no limite do esforço físico. Em minha mente, esse limite viria no meio de alguma prova casca grossa, daquelas que somam quilometragens de três dígitos com terrenos assustadoramente abismáticos.
A realidade, no entanto, nem sempre espelha a imaginação: se tem uma coisa que descobri nesses últimos meses é que o treinamento pode ser muito pior do que qualquer prova.
Comecei a treinar para o Caminhos de Rosa no começo de março, logo depois de um curto descanso que se seguiu ao Cruce. Tempo demais de treino, talvez: 6 meses. O modelo que acabei desenhando era de pequenos ciclos feitos de 3 semanas duras seguidas de uma leve, sendo que a volumetria das semanas duras ia crescendo mês a mês.
No meio do caminho fiz apenas uma ultra “oficial” (ou seja, desconsiderando as dos treinos): a Indomit São Paulo, de 50K, pelas montanhas da Mantiqueira. Um parêntese: isso é algo que não recomendo a ninguém. Passar seis meses treinando com apenas uma prova no meio para quebrar a monotonia é simplesmente duro demais!
Minha volumetria média mensal – incluindo as semanas de descanso – foi subindo quase que linearmente: 70km em março; 80 em abril; 85 em maio; 90 em junho e 100 em julho. Apenas entre maio e julho foram 3 ultras de 50K e 6 maratonas, todas sempre com algo entre 15 a 20K no dia seguinte. Além disso, tenho espremido 60 a 70% do volume semanal em dois dias justamente para me habituar mais ao cansaço, técnica que funcionou bem em provas passadas.
Uma média de 100K por semana pode não parecer tanto para muitos dos ultras que conheço… mas limites são, por definição, individuais.
Do ponto de vista articular e muscular, ainda bem, nenhum grande problema se abateu sobre mim: anos de concentração pura em biomecânica, creio, me salvaram. Mas o corpo reclama de outras maneiras.
Estou com uma quantidade de aftas que nunca tive antes. Meu bruxismo voltou. O ciático, que raras vezes antes havia reclamado, começou e grunhir com alguma frequência. Há momentos em que um sono avassalador toma conta de mim no meio do dia. Longões mais intensos tem trazido consigo uma febre que vem e vai com a mesma velocidade. Tenho dormido feito uma pedra e, embora acorde quase sempre descansado, um sentimento de exaustão plena sempre aparece em algum momento qualquer do dia – mesmo que vá embora 5 minutos depois. Estranhezas tão súbitas quanto cotidianas tem marcado esses últimos meses, prova de um cansaço acumulado que, creio, nunca senti antes.
Não tenho mais a ingenuidade deliberada de achar que tudo isso é coincidência: para mim, está claro que o meu corpo está quebrando de tanto treino. Que ultrapassei o limite, que estou em um terreno absolutamente novo em que tudo pode acontecer.
O lado bom é que só tenho mais dois dias de treinamento pesado: este sábado, que farei algo na casa dos 10 ou 20K, e o domingo, com a São Paulo City Marathon se emendando em 8K para fechar 50. Exaustivo, sem dúvidas – mas com uma prova no meio repleta de atrativos para quebrar a monotonia.
Depois disso entra a fase de ajuste fino ou “tapering”. Nunca me dei muito bem com ela – mas confesso que será perfeito ver o volume despencar da casa dos 110K para os 60, depois 35, depois 10 logo antes da largada para o Caminhos de Rosa.
O que antevejo? Duas semanas de descanso com muitas dores enquanto o corpo se repara.
O que espero? Que o corpo se repare.
Dia 19, afinal, tem a largada. E não espero de mim mesmo, até para honrar os últimos seis meses, nada menos do que chegar bem ao final dos 140km pelos sertões roseanos.