Cidade vazia.
Sol ardendo no céu.
Véspera de viagem para o Cruce.
A soma dessas três variáveis: um último longo por São Paulo nas primeiras horas da manhã mergulhando na história da Barra Funda.
Tinha pouco mais de duas horas pra rodar pouco mais de 20km: comecei subindo até a Dr. Arnaldo e me despencando pela Sumaré até o parquinho do Jardim das Perdizes. Deu para uma volta lá olhando o verde e ouvindo as marteladas das construções nos arredores. Todo um bairro está oficialmente se erguendo ali.
Na saída, passei por bairros que se ergueram também subitamente no passado. Margeei os trilhos da Barra Funda, tangenciando o atual Memorial da América Latina. Ali, há muitas décadas, a nata do samba paulista nascia para agregar mais poesia à urbe.
Voltei para a avenida e entrei no Paraue da Água Branca. Pequena chácara absolutamente rural perdida no centro de São Paulo. Correr por lá significa pular galos e galinhas, deixar patos atravessarem o caminho, sentir o cheiro de cavalos descansando em suas cocheiras.
Saí. Tomei uma reta por baixo do Minhocão, virei algumas esquinas e cheguei no atual colégio Boni Consili. Consegui, sob protestos mal humorados da moça da recepção, aproveitar o portão semiaberto para tirar uma foto do palacete que hoje serve de sede pra a instituição. É provável que ela sequer faça ideia do tesouro que guarda: a casa de Antônio Prado, o mito paulistano que passou de fazendeiro escravocrata a viabilizador da mão de obra imigrante, que trouxe luz, bonde elétrico, trens e a industrialização que transformou essa cidade de povoado interiorano quase irrelevante em uma das maiores metrópoles do mundo.
Acenei um ‘tchau’ ao espírito da lenda e fui subindo a ‘serra’. Da Barra Funda fui a Santa Cecília, depois a Higienópolis. Desci até o estádio do Pacaembu: não me deixaram entrar.
Subi de novo até a Dr. Arnaldo e segui à Paulista, cruzando-a até o Parque Trianon. Esse talvez seja dos mais exóticos da cidade, com mata atlântica pura, protegida e encravada bem no meio da principal avenida da cidade.
Já aos pés de casa, foi mais ou menos onde encerrei o treino.
22km.
No total, testemunhei um novo bairro nascer, reverenciei os sambistas do passado glorioso, me perdi por um tempo rural que não existe mais, visitei o empreendedor impulsionador da metrópole, circulei o estádio, cruzei a avenida cartão postal e fechei tudo em uma mini-floresta sobrevivente.
Nada mal para 2 horinhas antes da maior parte da cidade sequer acordar…