Traduzido pelos títulos no Strava

Sempre que termino um treino, a primeira coisa que faço é salvá-lo no Strava e batizá-lo com algum nome prático. Isso pode parecer ridículo – e talvez até seja mesmo – mas o título dado a uma corrida costuma resumir perfeitamente tudo o que aconteceu no conjunto de horas que passei imerso nas trilhas e ruas. 

Há títulos de todos os tipos – da mesma forma que as corridas, claro. 

Quando estou simplesmente encantado com o calor e o céu azul, o treino se chama ‘Não há nada melhor que o sol’. No final, foi o sentimento que restou depois de ter cumprido o percurso – e, portanto, o que merecia ser registrado. 

No mesmo espírito, uma corrida de fim da tarde em hora de rush vira ‘Atirando na noite por entre barreiras de pessoas’. 

Pelas dunas desertas e desérticas do Ceará? ‘Abundantemente só’. 

Cortando bairros exoticamente diferentes em São Paulo? ‘É sempre possível atravessar o tempo nas grandes cidades’. 

E assim por diante. 

E sabe onde isso pode ser importante? Ler o conjunto de títulos dados a treinos sequenciais acaba sempre traduzindo um estado maior do corpo que tendemos a esquecer poucos minutos depois de voltarmos para casa. 

Olhei os meus últimos treinos: o Strava não mente. 

14/11 (1 semana depois dos 100K da Indomit): ‘Voltando’.

15/11: ‘Fluidez.’

17/11: ‘Normal’

20/11: ‘Ainda um pouco enferrujado’

21/11: ‘Aargh!’

A leitura é óbvia. Sim, retornar de uma grande ultra, qualquer que seja, sempre gera aquela sensação de orgulho, de superação. Dá outro sentido ao esporte e gera um tipo de autoconhecimento mais denso e bem, bem diferente do tradicional. Só que, da mesma forma que durante uma corrida, mente e corpo nem sempre ficam em sintonia.

Nos últimos 3 dias saí do ‘normal’ para a sensação de ‘ferrugem no corpo’ para a pura dor (‘Aargh!’) durante um treino. Ladeira abaixo, em outras palavras. 

Talvez seja o momento de dar mais tempo ao tempo, forçar menos o corpo para recuperar o mo-jo e ficar mais inteiro do que estou. 

Obrigado, Strava.  

  

Checkpoint: o ultra longão

Dia de descanso.

Acordei com as articulações tesas, inchadas e com as pernas bastante doloridas. Até aí, nada de inesperado – mesmo tendo sido um treino, a distância percorrida ontem foi minimamente respeitável.

Sim: está claro para mim que preciso fazer ajustes no treino e me recuperar mais antes da UER, na Páscoa. Tudo bem: o sentido de um longão no pico é justamente testar o corpo, o que significa que a missão foi cumprida a tempo.

Mas há um outro lado para o dia de ontem que vai além da constatação dos problemas: a sensação única, especialmente gratificante, de se fazer uma ultra. Lá pela quinta hora, quando o corpo subitamente se recuperou e “atravessou” o “muro” captando uma segunda onda de energia, tudo passou a fazer sentido.

Tudo. Em segundos, toda a dor é ignorada e apenas o sentimento de que o corpo é muito mais resiliente do que se pensa fica pulsando pelas veias inchadas. Vem uma espécie de sensação de imortalidade endorfinada, de superação, de quebra de limites, que eleva toda a alma para uma espécie diferente de patamar.

Quem curte ultra entende bem isso. Não importa o quão ruim tenha sido a jornada pelos quilômetros: sempre há um determinado ponto em que se sublima todas as dificuldades e que se entende os motivos que impulsionam cada um dos tantos passos dados. E nem precisa de corrida oficial para isso: basta uma rua ou trilha e muita distância.

É simples assim. E é por isso que amo esse esporte.

Bom… agora é hora de sacudir a poeira, descansar as articulações e iniciar uma fase de preparo diferente justamente pela falta de intensidade. Que venha a UER. E a Comrades, claro.

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