Corrida de reconhecimento

No último domingo saí para uma corrida de reconhecimento no entorno da minha nova casa, bem no meio dos bairros de Perdizes, Pompeia e Barra Funda. O dia não poderia ter sido melhor: final de tarde de outono, céu cintilantemente azul, frio suave soprando o suor para fora do corpo com a gentileza de um primeiro amor.

Não era a primeira vez que corria por lá, claro – já rodei essa cidade de cima a baixo incontáveis vezes. Mas a sensação de pertencimento muda tudo: pela primeira vez eu estava me integrando, e não apenas visitando, o bairro. E, assim, com um qualquer coisa de soberba e orgulho, saí cruzando trilhos de trens, contrastes entre o novo e o velho, espaços boêmios, corporativos, residenciais. 

Rodei no parque do Jardim das Perdizes, beirei a ex-barra do Rio Tietê, peguei o Memorial da América Latina de Surpresa. No meu caminho, muitos fantasmas – desde os meus, pessoais, que me trouxeram até aqui, até os locais como os imigrantes italianos que ergueram a metrópole industrial. 

Passei pelas Indústrias Matarazzo, cruzei com operários cansados, vi o Prefeito Antônio Prado passar em revista à primeira linha de trem da cidade, ouvi sinos, apitos, burburinhos e barulhos de uma cidade cujo passado foi inteiramente feito de caça ao futuro. Neste futuro de então vi indústrias morrendo e sendo tomadas por prédios altos, vi os trens conhecerem os metrôs e os macacões sujos serem substituídos por ternos de auditores da Price. Tudo misturado. 

No meio dos fantasmas paulistanos, nascidos ou não na cidade, subi até o centro pelo Minhocão. Tomei a São João e cruzei a Ipiranga, deixando a boemia de um passado que não conheci para trás. Subi até o imponderável Edifício Martinelli, então marco do luxo e hoje lar de mendigos e odores indescritíveis. Saí seguindo até a Praça Roosevelt, depois Augusta, depois Paulista. 

Depois voltei. Cortei o Pacaembu, passando perto do estádio que urrava gritos de gol e fazia o chão tremer até chegar à Sumaré. Já com o sol nas suas últimas luzes, fiz a avenida inteira pela ciclovia, curcundei o Allianz Parque e entre novamente no meu novo bairro – novo tanto para mim quanto para a própria cidade, que só passou a reconhecê-lo oficialmemente há poucos meses. 

A volta de reconhecimento durou 22km quase exatos. 
Quando entrei no prédio era outro: estava diferente, mudado, como ficamos quando testemunhamos aqueles exatos momentos em que percebemos o início de um novo capítulo. 

De domingo em diante, a vida seria outra. 

 

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Trilha urbana: Morros de Perdizes e Pompeia

Treinar subidas em São Paulo? Não é preciso buscar refúgio no Pico do Jaraguá ou nos extremos da capital paulista. Aqui mesmo, bem no centro, há um local perfeito para se brincar com a altimetria e fazer uma corrida com perfil de eletrocardiograma: os bairros de Perdizes e Pompeia.

Comecei por uma rota mais habitual: desci até a Sumaré, segui pela ciclovia até a Barra Funda, dei uma volta no Jardim das Perdizes e duas no Parque da Água Branca.

Foi lá que a brincadeira efetivamente começou.

Depois do já levemente acidentado Parque da Água Branca, virei antes do Minhocão e subi a Cardoso de Almeida. E subi. E subi.

A partir daquele ponto tomei uma decisão: como tinha ainda mais que uma hora de treino programado, sairia simplesmente caçando ladeiras.

E assim fui cruzando por Perdizes, subindo e descendo escadarias imensas entre ruas, chegando a mirantes escondidos e brincando de contar torres de TV. Entrei por becos, saí em avenidas, mergulhei em pequenas praças com um verde reluzente, descobri casarões incríveis ao lado de casinhas bucolicamente perdidas.

Saí de Perdizes e, por entre ruas sombreadas por árvores imensas, cheguei na Pompeia. Subi e desci, fui e voltei e cruzei por tantas ruas que cheguei a realmente não fazer ideia de onde estava.

Depois de um tempo percebi que a Heitor Penteado estava logo ali no alto. Subi, cruzei e, de repente, estava de novo na Sumaré, embora no sentido oposto. Corri até a Brasil, rodei mais alguns quilômetros e pronto: cheguei em casa.

Fartlek é um estilo de treino onde se brinca com velocidades intensas por curtos períodos de tempo. Não fui rápido em nenhum momento hoje: a própria planilha já continha a clara instrução para eu evitar velocidade.

Mas esse treino foi, sim, uma brincadeira como em poucos outros. Não sei que palavra existe para isso – ou mesmo se existe alguma – mas, ao invés de perseguir velocidade, acabei brincando de gangorra pelos morros de uma das regiões mais acidentadas e deliciosas desta incrível cidade.

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