Longão na madrugada

Hoje foi dia do primeiro longão realmente longo depois da África: 30K em ritmo de cruzeiro, soltos, arejados. Com um fator a mais: como eu precisava estar em casa às 8:30, os primeiros passos foram dados em plena escuridão, às 5:30.

Tem um lado bom de sair com tudo escuro: as ruas parecem suas, o silêncio predomina e é como se toda uma aura de concentração praticamente se impõe sobre a mente. Isso sem contar, claro, com a maravilha que é testemunhar os primeiros raios de sol se serpenteando por entre as folhagens das tantas árvores no caminho! É, em minha opinião, o melhor período para correr.

Exceto em dias de longões durante invernos.

Sim, porque infelizmente não vivemos no mais calmo e seguro dos países e cruzar a cidade em busca de trilhas mais escondidas em plena escuridão não costuma ser a melhor das ideias. Em casos assim, há que se tomar as rotas mais conhecidas.

Assim o fiz. Comecei indo de casa até o Parque do Povo, onde dei 5 voltas até amanhecer. Entrar lá já foi complicado: me esgueirei por entre uma fresta na grade e corri quase todo o tempo em uma escuridão absoluta. Tropeçar, aliás, quase virou rotina. 

Depois segui até o Ibirapuera, fazendo uma volta pela trilha e outra pela pista. Um percurso que costumo gostar muito, diga-se de passagem – mas que perde um pouco a graça em dias que a rotina deve ser deixada de lado.

Por sorte encontrei o Nishi, já em pleno treino para Mont Blanc, que dividiu a segunda volta comigo. Dividiu com força, aliás: foram 3km rápidos o suficiente para que meus bofes quase ficassem no caminho!

E entre ruas, papos e planos, fomos cada um pelos nossos caminhos: ele se concentrando nas montanhas de Chamonix e eu repassando o dia que teria pela frente.

Depois de 30,3km a um pace médio de 5’53″/km, cheguei tão inteiro que até me surpreendi.

Acho que foi resultado de ter matado as saudades dessas sempre incríveis horas sequenciais sobre pés ritmados. No final, o percurso em si importa menos que os caminhos que conseguimos desenhar em nossas cabeças durante qualquer longão.

  

Mudando a estratégia: a corrida pela recuperação

Enquanto a organização da Ultra Estrada Real vai demandando mais tempo, um outro desafio, inesperado, acabou se abatendo sobre mim. Aparentemente, acabei exagerando na intensidade do treino para as duas ultras que estão por vir, UER e Comrades.

Isso ficou claro depois do sofrível longão do sábado passado, que abriu portas para exaustão física completa, perda de motivação e todo aquele catatau de coisas que acontecem quando se atinge o pico cedo demais. No meu caso, com mais de um mês de antecedência.

Bom… a solução, claro, foi mudar toda a estratégia final para “enganar” o corpo. Essa semana foi uma espécie de tapering sem prova no final: diminui o volume enormemente e ainda caí o pace. Contando amanhã, terei fechado 4 treinos levíssimos, como me preparando para uma prova iminente (que, claro, não virá tão cedo).

Os primeiros treinos, na quarta e na quinta, foram ruins: cansado, me arrastei pelo percurso definido olhando o relógio teimosamente como se ele estivesse tentando me enganar. E isso, diga-se de passagem, para um trote de 45 minutos e outro de 1h30! 

Ainda assim, persisti: se tirasse mais dias, acabaria gerando mais danos do que benefícios.

Hoje, sob um clima mais ameno e com tempo nublado, saí para 1h45 pela rua. Fiz a trilha do Ibirapuera, Faria Lima, Juscelino, Parque do Povo e o retão até a minha casa. Foi quando as coisas começaram a melhorar: lá para a metade da corrida, comecei a perceber que não estava mais percebendo o tempo passar e que os pés estavam entrando em uma velocidade de cruzeiro mais fluida, gostosa. Bom sinal.

A estratégia nova, portando, é trocar aquela súbita queda de volume na semana anterior a uma prova, que costuma descansar mais o corpo e prepará-lo para o que estiver por vir, pelo inverso: um crescimento constante no volume culminando com o dia da largada.

Ou seja: agora é reconstruir o volume lenta e firmemente, encarando o 4 de abril como o topo de um primeiro lance de escadas. É possível que não dê mais tempo de chegar lá descansado – mas a nova meta é chegar preparado, motivado e energizado. Pelo menos esse é o plano!