Por que não criamos ultras mais relevantes no Brasil?

Todas as ultras mais desejadas do mundo tem uma característica essencial: um apelo emocionalmente poderosíssimo para os corredores. E esse apelo pode ir por três lados: relevância histórica, dificuldade colossal ou beleza estonteante. Frequentemente, aliás, esses três elementos estão juntos.

Exemplos?

O percurso da Comrades não é exatamente incrível – mas seus mais de 90 anos de história, a força que exerce sobre toda uma nação e as lendas que giram em torno dela a fazem ímpar.

Spartathlon, na Grécia? Junta a dificuldade homérica de se completar 246km em menos de 36 horas – com pontos de corte no mínimo sádicos – com o peso histórico de se estar refazendo o percurso de Filípides.

El Cruce? Precisa falar alguma coisa da sua beleza estonteante? A experiência de cruzar os Andes e beber uma paisagem daquelas por dias está longe – muito longe – de ser considerada corriqueira.

A Marathon de Sables, com quase uma semana para se cruzar 254km no Saara, não é considerada tão difícil quanto outras do gênero por ter postos de corte mais generosos – mas, da mesma forma que o Cruce, permite se testemunhar cenas absolutamente inesquecíveis.

E por aí se vai. TransVulcania, Barkley, Mont Blanc (UTMB)… todas tem um ou mais destes três ingredientes.

Agora olhemos o Brasil.

Das poucas ultras que temos em nosso solo, a única que realmente se destaca é a Jungle Marathon – e que é mais famosa no exterior do que aqui. Mas há tantos locais incríveis no Brasil que, honestamente, não fazer uma ultra neles é jogar fora oportunidades. Exemplos práticos?

Começo com o que nós mesmos fizemos no começo do ano, por conta própria: a Ultra Estrada Real. Refazer o caminho dos mineiros no auge do ciclo do ouro e terminar aos pés da estátua de Tiradentes em Ouro Preto em plena Páscoa, época que toda a região fica deslumbrante, certamente é uma candidata. Dezenas de corredores participaram dessa iniciativa que começou por aqui e que, aparentemente, terá alguma continuidade.

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E outros locais?

Correr no sertão em pleno verão escaldante certamente seria um belo desafio. Aliás, o amigo André Zumzum organiza o Caminhos de Rosa que é justamente isso – com o bônus de acontecer na trilha das histórias do mestre Guimarães Rosa. Não fosse tão longa – ela tem 263km – eu participaria na mesma hora.

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Há outro sertão perfeito: Canudos. Terra de santos, beatos, guerras e de um dos episódios mais marcantes da nossa história, seria um desafio e tanto.

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E Lençóis Maranhenses? Uma prova por suas dunas seria inesquecível e atrairia gente de todo o mundo.

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Chapada Diamantina? Que me conste, há apenas uma maratona por lá – mas há terreno suficiente para se explorar distâncias maiores com pérolas espalhadas por ela.

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Falando em Chapada, há a dos Veadeiros que tem o pitoresco Vale da Lua.

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O Rio de Janeiro também poderia receber uma ultra. A cidade é inegavelmente uma das mais lindas do Brasil e conta com pontos perfeitos como o Pão de Açúcar, o Cristo, a região da Vista Chinesa. Sua cidade irmã, Cape Town, fez uma ultra pela cidade que rapidamente cresceu (Ultra Trail Cape Town).

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Lá no sul há a região das Missões ou a Serra Gaúcha. Locais PERFEITOS para se correr em trilhas animais e memoráveis.

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Isso sem contar com locais de mais difícil acesso como o Monte Roraima, o Jalapão e tantos outros.

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O fato é que vivemos em um país que, embora não esbanje praias como as do Caribe ou montanhas como as dos Alpes, tem belezas inquestionáveis. Também é fato que, senão todos, a grande maioria dos ultramaratonistas vivem para beber cenas marcantes nas trilhas ou ruas do mundo.

Por que, então, as ultras que acontecem por essas bandas cismam em não aproveitar quase nada das nossas belezas naturais?

Tomara que alguém leia esse post e tome alguma providência organizando algo mais parrudo. Uma coisa eu garanto: a minha participação entusiasmada.

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Vendo

É fim de tarde e o avião decola de Joinville, Santa Catarina. 

Pela janela, toda uma paisagem de morros verdes iluminados por aqueles últimos raios de sol do dia, meio amarelo-avermelhados, se abre. Só uma coisa passa pela minha cabeça no mesmo instante em que as preocupações do cotidiano evaporam: “deve haver uma infinidade de trilhas ali por baixo”. 

Tento espremer os olhos e olhar com mais atenção, mas apenas uma ou outra veia ocre, mais para estrada de terra do que para trilha, pode ser vista a distância. Ainda assim, dá para imaginar cada passo dado cortando as montanhas, cada visual colecionado pelas córneas, cada gota de endorfina pulsando pelas veias. 

O mundo fica melhor quando sabemos aproveitá-lo. 

Se vivemos em uma grande cidade como São Paulo, explorar parques e vias em busca de qualquer que seja o desejo é algo relativamente fácil. Basta pegar alguma programação cultural pronta na Internet, entrar em um taxi ou metrô e aproveitar o que a cidade deixou mastigado para você. E acredite: as grandes cidades costumam deixar muita coisa mastigada para quem quiser aproveitá-las, de opções turístas a esportivas, de ofertas culturais a ambientes perfeitos para se curtir o mais autêntico ócio. Cidades grandes pensam pelos seus habitantes. 

É diferente de pequenos povoados, de trechos de terra abandonados, de praias escondidas ou montanhas isoladas. Antes de me apaixonar pelas trilhas, eu costumava enxergar cada pedaço inexplorado do mundo como um grande e entediante “nada”. 

Isso mudou. 

Dificilmente deixo de enxergar ao menos alguma opção de qualquer coisa quando olho, hoje, o que antes entendia como “nada”. Na verdade, parece que o vazio que existia foi magicamente preenchido por um “tudo”, por veias de natureza praticamente implorando algum tipo de desbravamento. Dá até uma certa dó ver as montanhas do alto de um avião sem poder descer para explorar cada milímetro selvagem que elas proporcionariam.

Não que eu queira trocar a vida de uma cidade grande por um estilo mais interiorano: sempre fui apaixonado por grandes metrópoles e o mar de opções proporcionado pelas suas selvas de concreto, na minha opinião, abre mais horizontes que qualquer paraíso intocável. Afinal, se viemos ao mundo para aproveitá-lo em sua completude, quanto mais opções melhor. 

Mas há um quê de preenchimento, de percepção de mundo, que nasceu das minhas primeiras corridas nas trilhas. É como se o mundo tivesse subitamente ficado mais rico.

Há menos nada e mais emoção, menos vazio e mais adrenalina, menos tédio e mais opções em cada canto de terra esparramado na frente dos olhos. 

Há mais vida a ser sorvida pelos olhos. 

Correr é definitivamente o melhor óculos que se pode conseguir. 

  

Características de uma ultra perfeita

Depois dos pantanosos 50K do sábado, comecei a me perguntar quais seriam, de fato, as condições ideais de ultra para mim. Todos tem a sua preferência, afinal – há desde os que curtem trecos como a mega úmida e tensa Jungle Marathon às secas e empoeiradas travessias em deserto.

E eu?

Bom… Descobri que tenho alguns parâmetros do que faz uma ultra ideal para mim. Vamos a algumas de suas características:

Percurso

O campeonato mundial de ultras de 2014 foi em Doha, perfazendo 100km em voltas de 5K. Honestamente, eu enlouqueceria.

O percurso ideal para mim é ponto-a-ponto ou circular, permitindo que se consiga desbravar cenas novas a cada passada. Ver é quase tão importante quanto correr e passar 3 ou 4 ou mais vezes dando voltas entedia. Bastante.

Altimetria

Há dois lados para essa moeda. Quanto mais intensa a altimetria, mais belas tendem a ser as vistas; quanto mais plana, mais rápido o percurso.

Curto as duas alternativas e julgo um meio termo como ideal. E, por meio termo, entenda-se qualquer coisa que varie de 2 a 4 mil metros, com alguma margem, em uma ultra de 80K.

Dá para correr e aproveitar cenas incríveis ao mesmo tempo.

Terreno

Asfalto, aqui, não entra na preferência – mas o estilo de pura aventura, sem demarcações e com surpresas como rios a serem atravessados e barrancos a serem escorregados, também não. Aliás, em uma comparação direta entre esses extremos, o asfalto ganha de longe.

Percursos pantanosos, mega úmidos e cheios de imprevistos são coisas que procurarei evitar ao máximo. Terrenos assim nos fazem passar boa parte da prova olhando para o chão para evitar quedas desnecessárias – algo bem distante do meu estilo.

O ideal? Uma mescla qualquer entre estradas de terra e single tracks que até podem ter alguma dificuldade, claro, mas que não sejam assim tão “infernais”.

Tendo dito isso, cabe uma observação: provas como a Comrades são um ponto totalmente fora da curva. Sim, ela é em asfalto por 90km – mas com tanta gente correndo e torcendo e com tanta história que faz todo o tempo parecer um sonho.

Distância

Para mim, distância não é exatamente um problema. Descobri que tenho uma tolerância relativamente alta por passar loooongos tempos na estrada – o que costuma vir com quilômetros e mais quilômetros de percurso.

Não sou muito rápido – principalmente porque curto tanto estar em uma ultra que paro de tempos em tempos para tirar fotos e aproveitar a experiência. Além disso, convenhamos: para que se matar na velocidade quando se sabe que um podium é impossível e em um esporte com tantas variáveis por prova que mesmo medir recordes pessoais fica complicado?

Mas ainda me falta mais experiência em distâncias maiores: o máximo que fiz, até hoje, foram 90km. Ainda preciso experimentar alguma prova de 100km e de 100 milhas. Não minto que 100 milhas me assustam um pouco – mas um dia chego lá.

Tecnicalidade

Desde que não seja nada que coloque a minha vida em risco, qualquer coisa é bem vinda.

Claro: ter algum percurso que permita a corrida (e não só trekking) ajuda: afinal, é ela que mais facilita o fluxo livre da endorfina. Além disso, não sou um trilheiro muito safo: a insegurança às vezes bate com maior força que deveria antes de algum movimento mais complicado.

Mas, isto posto, não posso dizer que tenha nenhuma restrição mortal quanto a escaladas ou descidas minimamente complexas.

Ao menos desde que o percurso como um todo seja feito para ser aproveitado, não temido.

Temperatura

Nunca corri em extremos – seja um calor de 50 graus do Saara ou um frio ridículo ao estilo Antártico.

Mas não teria nada contra. Para falar a verdade, a temperatura acaba sendo justamente a cereja do bolo de algumas provas. Ou alguém vê alguma graça em uma Badwater sob amenos 20 graus?

Umidade

Seca. Esse é o segundo dos dois únicos pontos que sou um pouco radical – e pelo mesmo motivo. Não gosto de umidade em excesso justamente porque ela costuma acompanhar percursos quase impossíveis com muita lama e oportunidades abundantes para se escorregar e se esborrachar no chão.

Sou ruim de equilíbrio, possivelmente em todos os sentidos, e não gosto tanto de colocar isso à prova o tempo todo.

Apoios

Não tenho nenhuma preferência aqui – desde que as regras sejam cumpridas. Ou seja: se uma ultra for autosuficiente, então esperar postos de apoio com água e comida é uma imbecilidade. A autosuficiência, nesses casos, é parte da prova, um desafio a mais.

Mas, se houver postos espalhados, o ideal é que pelo menos alguns tenham refrigerante ou infra para um bem vindo descanso de 5 minutos no meio da prova.

O “fator exótico”

Correr em um lugar diferente, inusitado, sempre soma pontos extras para qualquer ultra. A vida, ao menos em meu entendimento, é feita para aproveitarmos ao extremo cada segundo de consciência que temos. E aproveitar ao extremo significa sair do cotidiano e se entregar ao exótico.

Assim, correr nas montanhas da Patagônia, entre as vinhas do Douro, no deserto, em Comrades, na Mata Atlântica, na praia ou em qualquer outro cenário “diferente” sempre valerá a pena – mesmo quando todos os outros fatores estiverem jogando contra.

O resumo

Ultras são ultras: são feitas para testarmos nossos limites físicos e (principalmente) mentais.

Mas são feitas também para honrarmos a nossa própria vida, entregando ao coração experiências que ele jamais esquecerá.

Não me considero muito exigente aqui: tendo 50 ou mais quilômetros – o suficiente para garantir um bom tempo correndo – quase qualquer coisa vale.

Quase: o limite, para mim, é a linha que separa o aproveitamento de uma experiência memorável do estresse de passar horas olhando para o chão para não cair de cara (ou em um precipício).

Fora isso, é tudo uma questão de se entregar a uma experiência nova, de mergulhar em si mesmo e de se permitir entrar em uma zona mental tão intensa que o final sempre trará uma noção mais cristalina de quem realmente somos.

Cabot Trail tourism destinations

Mapa de rotas mais corridas no mundo

Na última sexta, quando lia o blog Recorrido, do Danilo Balu, me deparei com uma recomendação que achei SENSACIONAL: um mapa feito com dados de 15 milhões de corredores e que “acende” rotas mais usadas em todo o mundo.

Entra naquela categoria de informações tão inúteis quanto interessantes – e que, portanto, vale conferir. Aliás, eu diria até que tem a sua utilidade. Como eu estou varrendo a Web para descobrir novos pontos de corrida aqui em Sampa, ver esses percursos de uma vez só pode ser uma mão na roda.

Quem quiser se divertir, clique abaixo. Vale a pena!

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Calendário das ultras mais iradas do mundo

Há alguns dias publiquei, no Rumo às Trilhas, a minha lista de desejos de provas mundo afora. Não dá para dizer que foi uma surpresa, mas a lista ficou muito, MUITO extensa. Conversei com alguns amigos, fiz algumas edições, pesquisei datas e acabei tirando umas corridas e acrescentando outras. Foi uma pesquisa difícil (embora deliciosa) devido ao grande número de provas e de informações espalhadas – mas acabei conseguindo compilar tudo e organizar em uma espécie de agenda aproximada.

E digo “aproximada” porque, obviamente, levarei provavelmente 10 ou mais anos para matar toda essa lista. Mas tudo bem: o importante é curtir e aproveitar cada passo da jornada.

Observação importante: os meses de realização foram postados com base em calendários de 2014 ou 2013. Pequenos ajustes em datas, claro, devem ocorrer em todas as provas nos próximos anos. 

CALENDÁRIO DE ULTRAS IRADAS PELO MUNDO:

JANEIRO:

FEVEREIRO:

MARÇO:

  • Two Oceans (56km – África do Sul): www.twooceansmarathon.org.za – obs.: em 2015, essa prova, sempre vinculada à Páscoa, ocorrerá em abril!

ABRIL:

MAIO:

JUNHO:

JULHO:

AGOSTO:

  • Ultra Trail de Mont Blanc – UTMB (53km, 101km, 119km, 168km, 300km – França, Suiça e Itália): www.ultratrailmb.com

SETEMBRO:

OUTUBRO:

NOVEMBRO:

DEZEMBRO:

 

Bom… tem ultras iradas todos os meses! Agora é escolher a próxima, vasculhar os bolsos e correr!!

A propósito, alguns vídeos de todas essas provas podem ser vistos compilados nesse post aqui.