Toda ultra tem, claro, os seus desafios. Para mim, pelo menos, o maior deles acontece naquele período morno, monótono, que normalmente se estende entre os km 55 e 65 de uma prova de 80 ou 90km.
Ambas as Comrades foram assim. A Douro Ultra trail foi assim. A Ultra Estrada Real foi assim.
Não há um desafio técnico, uma montanha mais tensa a ser escalada, rios caudalosos a serem cruzados. Não há nada além da nossa mente se perguntando se segue ou se pára.
Para falar a verdade, o que chateia é justamente esse “nada”, essa sensação de se estar em algum lugar entre o começo empolgante e o fim extasiante, espremido entre o sol e a terra e com um prospecto de insuportabilidade da travessia. É quando se alcança o ponto mais baixo, quando aquele lugar escuro na mente parece guiar o corpo e ditar as decisões.
A alternativa? Seguir em frente. Fixamente. Constantemente.
Atravessar esse vale escuro, depressivo, dure o quanto durar, até o outro lado.
Neste momento, a vida parece estar imitando o esporte: estou nesses malditos 60km.
Dependendo do que ocorra, tudo pode mudar. Pode ser que o governo caia, dando uma guinada nas perspectivas de curto prazo de qualquer empresário brasileiro, a esta altura já meio saturados de lidar com tanto cavalo de pau e adversidade.
Pode ser que a crise se acentue ainda mais, forçando medidas mais drásticas na condução dos negócios. Pode ser que não, embora essa possibilidade pareça mais remota.
Pode ser que a própria crise permita surgir oportunidades interessantes, daquelas que jamais apareceriam em momentos de euforia em que se está mais concentrado em aproveitar a abundância do que em garimpar raridades na escassez. Pode ser que não, que essas oportunidades sejam, na verdade, miragens geradas pelo estopor da realidade.
Pode ser que seduções do além-mar gritem mais alto e puxem, como um ímã, mudanças pessoais radicais na minha vida. Pode ser que me mude. Pode ser que não.
Pode ser.
Pode ser.
Pode ser.
Essa insistência de possibilidades que se mantem equilibradamente remotas e, ao mesmo tempo, no mesmo espectro de viabilidade, cansa. Indefinições geram exaustão.
A alternativa? Assim como no esporte, só me resta uma: seguir em frente. Fixamente. Constantemente.