Pura felicidade

Sempre parti do princípio de que viemos ao mundo com o único propósito de experimentá-lo, de colecionar o máximo possível de sensações no mínimo possível de tempo. Afinal, se há uma verdade incontestável, é que todos acabaremos da mesma maneira que começamos: como poeira cósmica.

Sob essa ótica, a nossa existência inteira tem pouca utilidade prática, pouca relevância perante um universo que já existia antes de nós e que existirá por muito tempo depois que o nosso minúsculo planeta deixar de cumprir o seu papel de “grão de areia cósmico”.

E há um lado incrivelmente libertador quando encaramos a vida assim: podemos viver segundo o pensamento de que ganhamos de presente décadas e mais décadas de raciocínio lógico com o único propósito de nos fazer aproveitar cada instante.

Delícia, não? 

Correr ultras certamente ajuda a proporcionar situações diferentes, intensas, para se colecionar novas experiências. Permite viagens para lugares exóticos, tempo para si mesmo e escapes constantes de cotidianos com os quais, afinal, temos que lidar para ganhar a vida e as oportunidades por ela remuneradas.

E, ao colecionar experiências, acabamos ruminando-as em cada passada de corridas mais longas, em cada momento de solidão, em cada gota de suor derramada sobre trilhas ou asfalto. 

Em duas semanas correrei pelas mesmas estradas e ruas que testemunharam rios de ouro e diamante fluirem soltos das montanhas mineiras até outros continentes.

Em dois meses voltarei a um dos lugares que mais amo no mundo, a África, para fortalecer o caldo de endorfina coletiva junto a milhares de pessoas em uma travessia historicamente épica.

E, entre uma data e outra, há quilômetros e mais quilômetros de cultivo de felicidade.

A vida é inquestionavelmente maravilhosa.

  

Checkpoint: o ultra longão

Dia de descanso.

Acordei com as articulações tesas, inchadas e com as pernas bastante doloridas. Até aí, nada de inesperado – mesmo tendo sido um treino, a distância percorrida ontem foi minimamente respeitável.

Sim: está claro para mim que preciso fazer ajustes no treino e me recuperar mais antes da UER, na Páscoa. Tudo bem: o sentido de um longão no pico é justamente testar o corpo, o que significa que a missão foi cumprida a tempo.

Mas há um outro lado para o dia de ontem que vai além da constatação dos problemas: a sensação única, especialmente gratificante, de se fazer uma ultra. Lá pela quinta hora, quando o corpo subitamente se recuperou e “atravessou” o “muro” captando uma segunda onda de energia, tudo passou a fazer sentido.

Tudo. Em segundos, toda a dor é ignorada e apenas o sentimento de que o corpo é muito mais resiliente do que se pensa fica pulsando pelas veias inchadas. Vem uma espécie de sensação de imortalidade endorfinada, de superação, de quebra de limites, que eleva toda a alma para uma espécie diferente de patamar.

Quem curte ultra entende bem isso. Não importa o quão ruim tenha sido a jornada pelos quilômetros: sempre há um determinado ponto em que se sublima todas as dificuldades e que se entende os motivos que impulsionam cada um dos tantos passos dados. E nem precisa de corrida oficial para isso: basta uma rua ou trilha e muita distância.

É simples assim. E é por isso que amo esse esporte.

Bom… agora é hora de sacudir a poeira, descansar as articulações e iniciar uma fase de preparo diferente justamente pela falta de intensidade. Que venha a UER. E a Comrades, claro.

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