O treino

Ontem, quando estava olhando a planilha de treino para me entender melhor com ela, percebi que estava testando na pele uma das máximas do Kilian Jornet, de que volume se deve considerar sempre por semana e não por dia. 

Nessa minha caminhada até os 140K, o meu maior longão de todos será de 50K – bem menos, proporcionalmente, do que usei para treinar para os 100K da Indomit, os 90 de Comrades ou qualquer outra prova. Suicídio? 

Não minto que um certo medo da programação já começa a subir à espinha. 

Por outro lado, nunca tive tanto volume concentrado quanto agora. Semanas com mais de 100K são rotina, assim como correr pelo menos uma maratona a cada 7 dias seguida de 10 milhas ou de uma meia. E não nego: estou, hoje, muito mais forte do que no começo do treino, há alguns meses. 

É aqui que entra a questão: confiar no corpo, que está deixando claro que está mais preparado do que jamais esteve, ou na mente, que começa a questionar com algum atraso todo o modelo colocado em prática? 

O problema da escolha entre a confiança e o medo é que ela não é (e nem nunca será) racional, consciente. Será uma dúvida que me acompanhará a cada quilômetro empoeirado do sertão mineiro no dia 19 – e será um desafio a mais a ser enfrentado. 

Ultras para distâncias desconhecidas são assim mesmo: o desafio maior reside justamente nas suas interrogações. 

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Treinamento tridimensional

É impressionante como a preparação para uma ultra é tridimensional.

Há a dimensão óbvia: o corpo. Planilhas, atenção à forma, cuidado com as pequenas dores que, vez por outra, teimam em querer crescer, volume, intensidade.

Há também a dimensão nutricional: dificilmente se consegue sequer sobreviver a um treinamento mais pesado sem saber comer. No meu caso, isso incluiu até abandonar os carboidratos e adotar, de peito, alma e estômago, uma alimentação low-carb. Funcionou. Virou um estilo de vida do qual não consigo mais me afastar.

Mas essas duas dimensões, embora importantíssimas, nem de longe garantem o mais importante: a paixão em si pelo esporte.

É aí que entra a terceira dimensão: a espiritual.

O que ela considera? A criação peculiar de um universo paralelo, isento de responsabilidades com tempo ou espaço, para que se consiga mergulhar de cabeça em um determinado percurso.

Quando primeiro pensei em fazer o Caminhos de Rosa, fui alertado por muitos de que as duas maiores dificuldades seriam o calor e o tédio, principalmente considerando que o percurso inclui maratonas inteiras corridas sem contato com cidades ou povoados. A solução? Ora… se o caminho inteiro é inspirado nas obras do Guimarães Rosa, bastava mergulhar no universo já criado pelo mestre.

Estou lendo tudo, absolutamente tudo o que ele escreveu. Tédio? O percurso já está tomando ares absolutamente inspiradores, apaixonantes, até enigmáticos. Já dá para correr imaginando o bando de Riobaldo guerreando com os hermógenes, Manuelzão tocando uma boiada, Miguilim chorando a morte do Dito.

Já dá para amar o sertão mineiro antes mesmo de pisar nele.

Tem sido um treinamento com os olhos – e um dos mais gostosos de todos os que já fiz.

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Vídeo: Caminhos de Rosa, parte 1

Recentemente, o André Zumzum, Diretor de Prova do Caminhos de Rosa, segmentou o documentário que fez no ano passado em 4 pequenos vídeos.

Já estou em pleno treinamento para a prova e com um nível poderoso de motivação. Nesses momentos, todo e qualquer material – fotos, vídeos, depoimentos etc. – é sempre bem vindo.

E, como há tempo até lá, vou sorvendo esse conteúdo aos poucos, um de cada vez, exatamente como costumamos correr ultras.

O primeiro segue abaixo: dá para sacar a força histórica e o calor intenso em cada cena.

Que venha agosto!

 

 

 

O outro lado do treinamento

Dizem que uma ultra se corre mais com a alma do que com o corpo.

Concordo, embora o corpo seja essencial para uma travessia com tantos quilômetros, vilas e cenários no caminho. Ainda assim, por melhor preparado que se esteja fisicamente, o nos permite engolir quilômetros decididamente não são as pernas.

Estas já estão em pleno treinamento para o Caminhos de Rosa com planilhas montadas, metas estabelecidas e controles rígidos pelo caminho. 

Agora, no entanto, é hora de preparar o coração e a mente.

É hora de mergulhar no sertão de Guimarães Rosa. 

É hora de deixá-lo entrar pelos olhos e fixar-se na alma, de onde sairá a meu socorro – assim espero – quando tudo mais falhar entre o Morro da Garça e Cordisburgo.

Hoje começa o treinamento dos olhos, do coração, da mente, da alma.

E não há planilha melhor para isso, claro, do que esse guia mestre.

Considerações sobre o modelo de treino para correr os 140km do Caminhos de Rosa

Essa será, provavelmente, a semana mais light que já tive em muito tempo.

Faz parte de um modelo novo de treinamento que estou testando para o Caminhos de Rosa. Verdade seja dita, estou adaptando esse modelo tanto de um outro post que li há algum tempo quanto de dicas da Zilma Rodrigues, uma das mais experientes ultramaratonistas que conheço.

A diferença do que vinha fazendo antes – de certa forma, afinal, esse modelo já fazia parte do meu ritmo cotidiano – é que agora estou realmente levando a sério.

Ele prega 3 semanas com volumes altos, praticamente estáveis e “no talo”, seguidas por uma semana de descanso. Não exagero quando falo da radicalidade da volumetria, diga-se de passagem. Por exemplo:

Essa próxima semana é de descanso. No total, terei 4 corridas a fazer: duas de 1h10 (terça e quarta) e 2 de 1h30 (sábado e domingo). É quase que metade do que fiz nesta última semana.

As próximas 3, no entanto, serão diferentes: todas terão 3 corridas de 1h10 em dias úteis mais uma de 4h no sábado e outra de 2h no domingo. Total: 9h30, provavelmente encostando na casa dos 90km rodados por 3 semanas seguidas. A semana depois disso? Uma redução para 6h40 divididas em 5 sessões leves.

E, assim, vou recuperando as energias nas semanas leves e forçando o volume nas altas.

Não há muita preocupação aqui com alta intensidade, embora eu esteja acrescentando mais velocidade nas corridas feitas em dias úteis. A ideia não é essa: uma prova de 140km sob o sol do sertão será percorrida muito mais com resistência do que com explosão. É também por isso que essas 3 semanas pesadas e seguidas servem: para acostumar o corpo a correr mais cansado, forçando um pouco mais os próprios limites.

Uma coisa digo: chegar na semana leve é também uma espécie de meta muito bem vinda. Chegar no portão de casa depois dos últimos passos do domingo foi quase como cruzar uma linha de chegada de uma prova real! Isso também entra na conta: achar motivação ao longo do caminho é sempre fundamental em uma jornada dessas.

Agora é seguir adiante. Por enquanto, estou bem contente com esse modelo, embora ainda seja cedo para falar de resultados práticos.

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Checkpoint: Business as usual

Às vezes, a sensação de realização vem de onde menos se espera. 

Voltei de São Bento do Sapucaí feliz pelos 50Kms na majestosa Serra da Mantiqueira, mas com o corpo mastigado pelas pouco mais de 10 horas de trajeto. Se a ideia era encarar a prova como um treino, então a semana posterior – esta – deveria ser uma espécie de volta ao normal, com um tempo de recuperação muscular mínimo. 

E foi exatamente isso que aconteceu. 

No final das contas, o domingo acabou fechado com 80km rodados, incluindo três longões de 20, 31 e 17, respectivamente, e praticamente emendados. Cansaço? Claro: mas dentro dos limites do esperado.

O pace, ainda mais lento que pretendo que fique em mais algumas semanas, já se acelerou um pouco; a motivação veio a toda. 

Ainda falta muito tempo para o Caminhos de Rosa, é fato. Mas o treino parece estar já muito bem engatado. E foi daí que a sensação de realização apareceu: nenhuma relação com prova, medalha o tempo de conclusão de nada, mas sim com uma transição absolutamente fluida, perfeita, para o estado normal de treino pesado.